sexta-feira, 25 de abril de 2014

LIÇÕES DOS QUE SE FORAM

                                                                    Benilson Toniolo

Numa grande empresa em que trabalhei, um dos funcionários faleceu de repente. Não consta que tivesse nenhum problema cardíaco, mas faleceu de um infarto fulminante. Pouco antes de iniciar-se o velório, sua filha nos pediu autorização para que ele fosse enterrado com o uniforme da empresa. Dizia ela que ele tinha muito orgulho de seu trabalho, e da empresa que o acolhera num momento de grande dificuldade profissional e financeira. Autorizamos, evidentemente. E a visão do nosso colega, já sem vida, envergando o uniforme de nossa empresa, levando no peito o nosso distintivo, emocionou a todos.
Nunca morri de amores por Luciano do Valle. Fiz parte dos que riram dele nos últimos anos quando, já doente, ele trocava os nomes dos jogadores e dos times nas transmissões. Apesar disso, faço parte da geração que cresceu ouvindo sua voz inconfundível a narrar os jogos, as partidas, as corridas, os gols, os pontos, os sets, as bandeiradas, as vitórias e as derrotas. Claro que sua morte me deixou, como a todos, consternado. A vida é assim. Com famosos e anônimos. Todos temos nossos prazo de validade. Uns mais curtos, outros mais compridos.
Luciano foi muito importante não somente para o jornalismo esportivo, mas principalmente para o esporte brasileiro. Graças a ele, somos o país do vôlei. E passamos a prestar mais atenção no basquete. Quem poderia imaginar que teríamos, em plena tarde de domingo, um campeonato de sinuca transmitido ao vivo, em rede nacional? E o improvável, mas possível, Adilson Maguila Rodrigues, o servente de pedreiro sergipano tranformado em ídolo do boxe? O maior, talvez, depois de Éder Jofre. Devemos tudo isso, sim, a Luciano do Valle -entre outros momentos mágicos de alegria e da emoção que só o esporte pode proporcionar.
Em meio ao turbilhão de emoções que nos atinge sempre que um passamento desta dimensão acontece, e com tamanha carga de dramaticidade, uma imagem me chamou a atenção: no caixão, Luciano do Valle estava vestido com o paletó de trabalho, com o distintivo da TV Bandeirantes. Jazente no esquife, cercado pela família, pelos amigos e admiradores, ele levava no peito o emblema da empresa para a qual trabalhava. Não consta que Luciano pudesse ter qualquer tipo de problema com seu guarda-roupa. Muito pelo contrário. Roupa é o que não devia faltar em sua casa, dado tratar-se de homem público sempre às voltas com viagens, cerimônias, eventos e homenagens. Então, por qual motivo Luciano escolheu –ou escolheram para ele- justamente o uniforme da empresa onde trabalhava no momento de sua despedida?
O motivo, presumo, talvez seja o mesmo que levou aquele humilde colaborador a desejar ser enterrado com o uniforme de nossa empresa: o orgulho de pertencer. O orgulho de ser. O orgulho de fazer parte. A identificação com a marca que lhes aprouve o sustento, seu e da família, o reconhecimento e a gratidão por uma organização cujos valores e ideais, provavelmente, sejam os mesmos das pessoas que, simplesmente, cumpriram seu ciclo e deixam de existir. É esta a imagem que quiseram deixar: a de pessoas que dedicaram suas vidas ao trabalho. Bonita mensagem.
Cada um se identifica com o que gosta, com aquilo que lhe provoca sentimentos e emoções que se sobrepõem ao ordinário.  Escolher deixar, como última imagem, seu corpo envolvido com o uniforme da empresa que por último lhe deu o sustento é uma grande demonstração de probidade que emociona e nos faz repensar em certos valores morais, que parecem muitas vezes estar se tornando cada vez mais raros.

Pelo menos para mim, a lição deixada pelo famoso jornalista é a mesma deixada pelo humilde porteiro. A de que o trabalho, mais do que um dever, é um direito do homem de bem que passa a vida a lutar, com a força de seus braços e da sua inteligência, por uma sobrevivência digna e honesta.

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