Numa grande empresa em que
trabalhei, um dos funcionários faleceu de repente. Não consta que tivesse
nenhum problema cardíaco, mas faleceu de um infarto fulminante. Pouco antes de
iniciar-se o velório, sua filha nos pediu autorização para que ele fosse
enterrado com o uniforme da empresa. Dizia ela que ele tinha muito orgulho de
seu trabalho, e da empresa que o acolhera num momento de grande dificuldade
profissional e financeira. Autorizamos, evidentemente. E a visão do nosso
colega, já sem vida, envergando o uniforme de nossa empresa, levando no peito o
nosso distintivo, emocionou a todos.
Nunca morri de amores por
Luciano do Valle. Fiz parte dos que riram dele nos últimos anos quando, já doente,
ele trocava os nomes dos jogadores e dos times nas transmissões. Apesar disso, faço
parte da geração que cresceu ouvindo sua voz inconfundível a narrar os jogos,
as partidas, as corridas, os gols, os pontos, os sets, as bandeiradas, as
vitórias e as derrotas. Claro que sua morte me deixou, como a todos,
consternado. A vida é assim. Com famosos e anônimos. Todos temos nossos prazo
de validade. Uns mais curtos, outros mais compridos.
Luciano foi muito importante não
somente para o jornalismo esportivo, mas principalmente para o esporte
brasileiro. Graças a ele, somos o país do vôlei. E passamos a prestar mais atenção
no basquete. Quem poderia imaginar que teríamos, em plena tarde de domingo, um
campeonato de sinuca transmitido ao vivo, em rede nacional? E o improvável, mas
possível, Adilson Maguila Rodrigues, o servente de pedreiro sergipano tranformado em ídolo do boxe? O maior, talvez, depois de Éder Jofre. Devemos
tudo isso, sim, a Luciano do Valle -entre outros momentos mágicos de alegria e da emoção que só o esporte pode proporcionar.
Em meio ao turbilhão de emoções
que nos atinge sempre que um passamento desta dimensão acontece, e com tamanha
carga de dramaticidade, uma imagem me chamou a atenção: no caixão, Luciano do Valle
estava vestido com o paletó de trabalho, com o distintivo da TV Bandeirantes.
Jazente no esquife, cercado pela família, pelos amigos e admiradores, ele levava no peito o emblema da empresa para a qual trabalhava. Não consta que
Luciano pudesse ter qualquer tipo de problema com seu guarda-roupa. Muito pelo
contrário. Roupa é o que não devia faltar em sua casa, dado tratar-se de homem
público sempre às voltas com viagens, cerimônias, eventos e homenagens. Então,
por qual motivo Luciano escolheu –ou escolheram para ele- justamente o uniforme
da empresa onde trabalhava no momento de sua despedida?
O motivo, presumo, talvez seja
o mesmo que levou aquele humilde colaborador a desejar ser enterrado com o
uniforme de nossa empresa: o orgulho de pertencer. O orgulho de ser. O orgulho
de fazer parte. A identificação com a marca que lhes aprouve o sustento, seu e
da família, o reconhecimento e a gratidão por uma organização cujos valores e
ideais, provavelmente, sejam os mesmos das pessoas que, simplesmente, cumpriram seu ciclo e deixam de existir. É esta a imagem que quiseram deixar: a de pessoas que dedicaram suas vidas ao trabalho. Bonita mensagem.
Cada um se identifica com o
que gosta, com aquilo que lhe provoca sentimentos e emoções que se sobrepõem ao
ordinário. Escolher deixar, como última
imagem, seu corpo envolvido com o uniforme da empresa que por último lhe deu o
sustento é uma grande demonstração de probidade que emociona e nos faz repensar
em certos valores morais, que parecem muitas vezes estar se tornando cada vez
mais raros.
Pelo menos para mim, a lição deixada
pelo famoso jornalista é a mesma deixada pelo humilde porteiro. A de que o
trabalho, mais do que um dever, é um direito do homem de bem que passa a vida a lutar, com a força de seus braços e da sua inteligência, por uma sobrevivência digna e honesta.
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