domingo, 7 de julho de 2013

GASTRONOMIA E MÚSICA: UMA POSSIBILIDADE DE CRESCIMENTO E RIQUEZA

Mais do que a satisfação de uma simples necessidade fisiológica, o ato de comer, ao longo da história da raça humana, se transformou em uma ocasião de encontros entre pessoas.
Tudo muito diferente do pecado inicial, que se deu exatamente através da gula. Ou seja, se o mundo é o que é hoje, isto se deve exclusivamente ao ato de... comer. Claro que há outras implicações, digamos assim, e que levaram a pobre Eva a experimentar do fruto proibido, mesmo contrariando a instrução de Deus –que, convenhamos, não tinha nada que sair por aí criando uma fruta da qual não se podia saber o gosto.
Reunir pessoas em volta de uma refeição, entretanto, virou característica da condição humana. Certo, não somos os únicos animais que compartilham a comida com os outros da mesma espécie. Mas a verdade é que, ao longo do tempo, compartilhar a mesma comida tornou-se um hábito humano carregado de ancestralidade e simbolismos, e que se constitui em uma prática que, a cada dia, procuramos manter e, por que não dizer, aperfeiçoar.
Das refeições feitas por Cristo –que, é bom que se diga, vivia filando uma bóia na casa dos outros, e consta que gostava muito de se dedicar aos prazeres gastronômicos, chegando inclusive a multiplicar os peixes para que seu povo não sucumbisse à fome- aos indefectíveis churrascos dos dias de hoje, a gastronomia está para o homem como o dia para o sol: um não existiria sem o outro.
Ao longo dos tempos, foi ao redor de uma mesa, no compartilhamento de uma refeição, que impérios e países foram criados e dizimados, que se decidiu o futuro de gerações inteiras, que se optou por miséria e bonança, amor e ódio, nascimentos e homicídios, descobertas científicas e tragédias absolutamente estarrecedoras. Tudo porque, ao redor desta mesma mesa, entre mastigações, conspirações, descobertas de amor e arrotos disfarçados e explícitos, o homem dá de si aquilo de que é composto: os vícios e virtudes de sua condição.
Isso tudo porque, além de ser uma necessidade, comer é um ato de prazer que, mais notadamente nos últimos tempos, tem proporcionado ao homem a descoberta de uma gama de sensações que, por muito tempo, permaneceu senão desconhecida, mas pouco valorizada. Combinar sabores, cheiros, texturas, cores e sensações tem se constituído em uma das principais atividades presentes no cotidiano do homem moderno.
Cursos especializados despejam semestralmente no mercado de trabalho milhares de profissionais cuja maior especialidade é a de, através da imaginação e da criatividade, satisfazer de seus clientes somente um  desejo: o de se deixar surpreender. Nisto, e apenas nisto, no prazer da descoberta do novo, é que se caracteriza este ato, até então simples, de apenas satisfazer uma necessidade fisiológica. Comer, hoje, é sinônimo de bom gosto e status social. Você é o que você come.
Nesse sentido poderíamos dizer que a gastronomia virou arte. Mas não: a gastronomia se consolidou como arte, e como tal é reconhecida. E, e seus executores, verdadeiros artistas.
E partimos da sua elaboração para identificá-la desta forma. A imaginação do artista está presente na criação do prato, na escolha dos ingredientes, nos detalhes da receita (haverá estilo literário para isto?), no conhecimento da temperatura ideal dos equipamentos onde os alimentos serão preparados, no espaço (a cozinha, o palco) onde terá lugar a sua representação e a dos demais atores, e o momento final: de apresentar ao público a sua arte, no afã de ter descoberto o novo, o excelente, o surpreendente, o definitivo. O desafio do artista é o da superação. Nisto reside sua vida e seu trabalho.
Eis a cozinha, comparada a uma orquestra.
O maestro carioca John Neschling vaticina, em seu livro ‘Música Mundana’: “Não há ‘mais ou menos’ quando se trata de qualidade artística, e, portanto, não pode haver ‘mais ou menos’ na concepção e realização da Arte’.  É portanto neste momento que gastronomia e música se assemelham e se completam. Na elaboração da arte, no bom gosto, no preparo e na entrega do artista ao seu ofício, na satisfação do público e no seu desejo de voltar a consumir, numa outra oportunidade, o resultado deste trabalho.
Aí deixamos de desenvolver, então e somente, uma relação artística. Passamos a entender a gastronomia e a arte como uma troca que se dá, também, em linhas de comércio, uma vez que há quem a produza e, da mesma forma, há quem a consuma. Logo, temos uma troca capaz de gerar desenvolvimento social (através da formação profissional) e, por conseguinte, emprego e renda, fomentando o turismo segmentado (composto por um público amante e consumidor de Arte e Gastronomia) e proporcionando ao município a imagem de gerador de um produto diferenciado e de qualidade.
É possível pensar na tomada de ações por parte das iniciativas pública e privada no sentido de elaborar projetos comuns que abram esta vertente à economia local. O planejamento deve ser cuidadoso e priorizado na base, através da formação de bons profissionais, culminando com o estímulo ao seu desenvolvimento contínuo. Da mesma forma, pode-se avaliar a possibilidade de conceder incentivos aos empresários do ramo para que segmentem suas atividades, especializando seus estabelecimentos em diferentes nichos específicos e possibilitando ao consumidor final uma variada gama de opções, sempre de altíssimo nível e com valores de aquisição condizentes com o mercado internacional de alta gastronomia. Em paralelo, é fundamental o papel da propaganda e da mídia.
Uma vez que a relação música-gastronomia está completa, nada melhor que ambas se correlacionem continuamente, não através de ações isoladas como, por exemplo, festivais pontuais, mas com uma programação permanente e diferenciada, que caracterizam o destino turístico como referência em qualidade tanto nos produtos oferecidos quanto nos serviços prestados. 
Tudo isto demanda empenho e trabalho, características fundamentais para a criação de novas possibilidades de crescimento e riqueza.

Porque, como já nos alertou Neschiling, na Arte como nos negócios não existe ‘mais ou menos’.

Benilson Toniolo