sábado, 26 de abril de 2014

A HORA DE SEO TOLENTINO


Benilson Toniolo

O caso se deu nas Alagoas, meados dos anos 1940. Aos setenta e seis anos, vô Tolentino começou a sentir o peso da idade. Não nos braços e nas pernas, no coração, na vista e nos ouvidos, que por ali estava tudo certo. O vô continuava firme e forte. O problema era, digamos assim, mais centralizado. A potência não era mais a mesma. O negócio andava esquisito. Aquela fraqueza toda. Vô Tolentino nunca tinha ouvido falar que isso acontece com todo homem. Nunca tinham lhe explicado nada. Estivera internado somente uma vez na vida, pra retirar da perna uma bala do revólver disparado, sem querer, pelo irmão Euclides, quando ambos ainda eram moços e Tolentino ensinava o mano a atirar. Mas nem naquela ocasião, nem em outra qualquer, alguém tinha lhe dito que o negócio ia, simplesmente, parar de enrijecer. De ficar duro. Pronto para a batalha.
Aquilo não entrava na cabeça iletrada e sertaneja do vô. Homem é homem desde que nasce até quando morre. Não tem esse negócio de ser meio homem. Tinha tido nove filhos, dezessete netos, três bisnetos. Saíra tudo dele, do seu corpo, dos seus bagos. Da sua força de homem sertanejo. Como é que agora isso acabava? Só tinha uma explicação. Dona Santinha. A mulher. A esposa que se entregou a ele aos doze anos de idade. A mulher que ele raptara da casa do sogro e que se deitava com ele há sessenta anos. O problema era ela. Só podia ser. Desde que deixara de freqüentar os cabarés de raparigas, vô Tino só fazia as coisas com a mulher. E aquela esquisitice toda que com ele se passava só podia ser culpa dela, que não estava se esforçando. Que não ajudava. Que não se preocupava em satisfazer o marido. O vô ficou bravo com a constatação.
Todas as noites, tentava e não acontecia nada. Irritava-se. Ameaçava dar em dona Santinha. Acusava, praguejava, xingava com nomes feios. Dizia que ia voltar ao cabaré se ela não ajudasse. Dona Santinha chorava. Não tinha mais idade para esse sofrimento. Setenta e dois anos. Queria descansar e o marido aporrinhando a noite toda. Um dia, no auge da danação, vô Tino empurrou a mulher da cama.
Dona Santinha procurou os filhos. Estava saindo de casa. Não agüentava mais. Mas quem é que ia falar com o pai? Homem bruto, sem instrução, homem da roça, não ia entender nada. Combinaram de levá-lo ao médico. Mas, antes, fizeram uma visita ao doutor, para antecipar o assunto e fazer com que o pai entendesse de vez o que é que se passava.
Chegou o dia da consulta. Os dois filhos mais velhos acompanhavam vô Tino. O médico fazia as perguntas de praxe. Sente dores, seu Tolentino? Que não. Incômodo? Que não. Zonzeira, vertigem, sono em demasia, cansaço, vontade de morrer? Que não. Tremedeira nas pernas, falta de apetite, esquecimentos, pesadelos? Que não, que não, que não.
Para surpresa geral, quem introduziu o assunto da impotência foi o velho. Contou tudo. Até de ter derrubado a esposa da cama. Estava arrependido e a ponto de enlouquecer com aquilo. O que é que está acontecendo comigo, doutor?
O médico explicou. Seu Tino não entendia. O médico disse, redisse, falou, explicou, rabiscou num papel, desenhou, e nada do homem entender. Não queria entender. Não aceitava. Aquilo era coisa nova, de medicina nova, que alguém inventou para prejudicar os outros. Que não. Que não. Que não.
Uma hora de consulta e nada. Até que o doutor achou de fazer uma proposta inusitada. Pediu aos meninos pra que saíssem da sala. Que esperassem lá fora. Ôxe, que diabo, pensaram os dois. Saíram. Ficaram só o médico e seu paciente queixoso. Seo Tino, o senhor vai em cabaré? Já fui muito, doutor. E lá o senhor teve este problema? Ôxe. Nunca não, doutor. Faz tempo que não apareço por lá. E por que o senhor não volta lá? Ié? Faz o seguinte: o senhor volta lá e pega uma menina bem bacana, do jeito que o senhor gosta. Mas não conte nada a ela de seu problema. Capriche na rapariga. Tem que ser do jeito que o senhor achar bom. Se quiser, tome umas duas canas antes, pra descontrair. E tenta com ela. Se der certo e o negócio sair direito, ao sim poder que o problema até seja com sua patroa. Eita, peste. E se não der certo, doutor? Aí, seu Tolentino, não tem jeito. O senhor vai ter que procurar umas ervas aí pra ver se o negócio levanta.
Os filhos voltaram à sala, deram-se as despedidas, os agradecimentos, o pagamento da consulta. No caminho não tocaram no assunto, nem mesmo perguntaram do que havia tratado com o doutor quando tiveram que deixá-los sozinhos. Se o pai não contava, era porque ninguém tinha que saber. Tomaram o café preparado por dona Santinha, deixaram o homem  em casa e voltaram com a sensação da missão cumprida.

Na noite de sexta-feira vô Tolentino banhou-se, vestiu-se, aperfumou-se e saiu-se em direção à rua das meretrizes. O que se passou lá dentro ninguém sabe. Há quem diga que viram o homem sair, três horas depois de ter entrado, cabisbaixo e sem destino. Não voltou para casa, e passou a noite sentado num banco da estação dos barcos, olhando para o céu, para a cidade atrás de si e para o rio. E, pelo que consta, foi visto por mais de uma vez enxugando as lágrimas dos olhos. Assim que amanheceu, levantou-se e caminhou em direção à sua casa e aos braços sempre abertos de sua adorada Santinha.

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