O
discurso democrático e libertário dos gurus da internet é só isso: discurso
(Jaron Lanier)
À hora a que me disseram que tinhas morrido, ainda não havia estrelas.
Ainda não havia noite para te chorar –e é à noite que eu choro. Não fui ao teu
enterro. Não me apoiei nos outros em frente ao teu caixão para te chorar. Não te
chorei. Não fui a tempo –e há um tempo para isso. Não te vi a subir a uma
estrela, não te vi a rir lá de cima –porque, mais uma vez, eu estava atrasado.
Cheguei a casa e fui procurar as tuas fotografias, as fotografias da nossa
viagem. Guardei-as dentro de um envelope grande no qual escrevi “Sahara, 1987” e
meti-as dentro de uma gaveta, num armário. Desde então, mudei algumas vezes de
casa, mudei até de vida outras vezes, e as fotografias continuaram sempre
dentro desse envelope, na gaveta, no mesmo armário. Vinte anos. Só ontem é que
voltei a vê-las. Só ontem é que percebi que tinhas morrido.
Este, o belíssimo final de ‘No
teu Deserto’, de Miguel Sousa Tavares, que Simone terminou de ler na noite de
ontem, e que ela definiu como ‘muito bonito’. E é mesmo. Uma avaliação destas,
vinda de Minha Luz, é um elogio e tanto. Se um dia eu conhecer o autor,
contarei a ele.
Caio Dib é um jovem brasileiro
de 22 anos que atravessa de ônibus as regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste em
busca de conhecimento sobre o que está realmente sendo feito pela, e na, Educação
brasileira. Já gastou até o momento seis mil reais do próprio bolso, e acredita
que vai ter que desembolsar mais, pelo alcance e pela dimensão do que tem
encontrado. Tem grana e tempo livrem, pelo jeito. Bom. Visita escolas, conversa com diretores e professores, bate papo em
hotéis, rodoviárias, padarias, praças, ônibus, sempre sobre o mesmo assunto: educação.
Descobriu grandes pérolas, como o fato de algumas escolas do Ceará terem já
atingido resultados que estavam para ser alcançados, pela previsão inicial, em 2020. Seu objetivo é, encerrando a ‘turnê’, escrever dois livros. Diante deste,
não tenho dúvidas em afirmar que Caio Dib é hoje uma das pessoas mais
preparadas para assumir o Ministério da Educação. Caio Dib para Ministro, já! E
olhe que ele nem precisa de mesa, nem de gabinete, de assessor, para saber mais
de Educação do que aquele que atualmente ocupa a Pasta. É só botá-lo dentro de um ônibus. O resto -e o que é o mais difícil de encontrar- ele já tem, e de sobra.
Deu na SIC: representantes dos
setores público e privado do Brasil invadiram Portugal em busca de
profissionais qualificados para trabalhar aqui. Vale tudo: engenheiro,
eletricista, médico, dentista, professor, arquiteto, decorador, o diabo. Falta
de investimento em educação costuma dar nisso: remete sempre a atraso e
prejuízo. Fica bem mais caro buscar profissionais lá fora do que formá-los aqui
dentro. Com o agravante que, certamente, grande parte deles deve voltar
rapidinho para casa tão logo a situação por lá se normalize. Afinal, é sempre
melhor estar em casa própria que na dos outros. Mais ou menos assim: ‘vou ali no
Brasil ganhar um dinheirinho, que aqui anda em falta, e volto’. Sim, ainda
somos colônia.
Para quem, como eu, pouco ou
nada sabe de política econômica, sugiro o artigo de Vinicius Torres Filho, no
Mercado de hoje, intitulado 'Tomates, Ônibus e Jeitinho'. O autor discorre com
muita propriedade sobre a situação econômica brasileira, de Lula aos dias de
hoje, e arremata: ‘se o governo fosse
arrumar a casa para valer, haveria choro e ranger de dentes. Na melhor das hipóteses,
porém, vai dar apenas uma varrida nas bobagens piores que fez. Talvez o ajuste
venha em 2015, sob Dilma Rousseff ou outro encarregado. E assim vamos levando a
nossa vida medíocre, com jeitinho’.
Quando os gestores se omitem,
sobra para o mais fraco. No que diz respeito à violência, chama a atenção a
matéria sobre os seguranças privados que são contratados por escolas e
faculdades paulistanas para atuarem na via pública –o que, como todo mundo
devia saber, é atribuição do Estado. Segurança privada, em geral, trabalha
intramuros, com exceções dos casos de serviços específicos autorizados e
supervisionados pela Polícia Federal. A função destes trabalhadores que atuam nas ruas em voltas das escolas é comunicar
a uma Central a existência de suspeitos que representem
algum tipo de perigo para os estudantes durante a entrada e saída das aulas. Na
matéria, tanto a Escola quanto as empresas contratadas alegam desconhecer o
assunto, e que estes trabalhadores não são seguranças, e sim apenas observadores.
Até que aconteça o primeiro homicídio envolvendo algum deles, que serão
enterrados com razoável dificuldade financeira, sem honras militares e tendo ao fundo as declarações de ‘lamentamos
o ocorrido...’ que devem pronunciar as escolas, que não sabiam de nada, e as
empresas de segurança, que pensavam que não era bem assim e provavelmente dirão que o funcionário morto não 'compreendeu a instrução passada por seus superiores'.
Mais um artigo, desta vez o de
Clóvis Rossi, sobre o fato de o FMI ter admitido, ainda que subjetivamente, que
cometeu um erro no programa econômico imposto à Grécia. Clóvis cita o artigo do
líder grego Nigel Farrage, no The Telegraph, que diz que ‘a Grécia foi sacrificada no altar de uma fracassada experiência do
euro, sua comunidade de negócios dizimada, suas famílias levadas à penúria, sua
taxa de suicídio furou o teto (subiu mais de 40% no período da crise). O
desemprego quadruplicou, o desemprego juvenil está em 64%. Sonhos foram
destruídos, o futuro hipotecado – e as esperanças deixadas apodrecer em campos
de oliveira não cuidados’. Um final poético e melancólico, afinal, posto
que, como sabemos, aceita tudo esta egípcia invenção chamado papiro (pelo menos
assim nos ensinou o Ettore Quaranta, em 1982, no Santa Rosa). Se essa não é uma
descrição de genocídio social, já não sei definir o que é genocídio social.
Isto quem diz não sou eu. É o Clóvis. Santo papiro.
Moreira Franco, sociólogo e
Ministro da Aviação Civil, põe a culpa dos problemas aeroportuários no Brasil
na ditadura, na burocracia (necessária para conter gastos, segundo ele) e,
acreditem, em São Pedro. Imagina na Copa. Ah, sim, e pede desculpas pelos
passageiros que tiveram problemas no Santos Dumont, na última semana.
Traduzindo: não adianta reclamar deste problema. Passemos a outro imbróglio,
portanto, que para este, da forma como hoje se apresenta, e segundo o Ministro, não há solução.
O Ferreira Gullar de hoje está
para colecionador. Se não, vejamos: ‘meus
poemas nascem do espanto, de algo que põe diante de mim um mundo sem explicação’.
Este, vai para os guardados.
Xico Sá, de novo: ‘homem que é homem não sabe, e nem procura saber, a diferença entre estria
e celulite’.