domingo, 9 de junho de 2013

DOMENICÊNCIAS

O discurso democrático e libertário dos gurus da internet é só isso: discurso (Jaron Lanier)

À hora a que me disseram que tinhas morrido, ainda não havia estrelas. Ainda não havia noite para te chorar –e é à noite que eu choro. Não fui ao teu enterro. Não me apoiei nos outros em frente ao teu caixão para te chorar. Não te chorei. Não fui a tempo –e há um tempo para isso. Não te vi a subir a uma estrela, não te vi a rir lá de cima –porque, mais uma vez, eu estava atrasado. Cheguei a casa e fui procurar as tuas fotografias, as fotografias da nossa viagem. Guardei-as dentro de um envelope grande no qual escrevi “Sahara, 1987” e meti-as dentro de uma gaveta, num armário. Desde então, mudei algumas vezes de casa, mudei até de vida outras vezes, e as fotografias continuaram sempre dentro desse envelope, na gaveta, no mesmo armário. Vinte anos. Só ontem é que voltei a vê-las. Só ontem é que percebi que tinhas morrido.

Este, o belíssimo final de ‘No teu Deserto’, de Miguel Sousa Tavares, que Simone terminou de ler na noite de ontem, e que ela definiu como ‘muito bonito’. E é mesmo. Uma avaliação destas, vinda de Minha Luz, é um elogio e tanto. Se um dia eu conhecer o autor, contarei a ele.

Caio Dib é um jovem brasileiro de 22 anos que atravessa de ônibus as regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste em busca de conhecimento sobre o que está realmente sendo feito pela, e na, Educação brasileira. Já gastou até o momento seis mil reais do próprio bolso, e acredita que vai ter que desembolsar mais, pelo alcance e pela dimensão do que tem encontrado. Tem grana e tempo livrem, pelo jeito. Bom. Visita escolas, conversa com diretores e professores, bate papo em hotéis, rodoviárias, padarias, praças, ônibus, sempre sobre o mesmo assunto: educação. Descobriu grandes pérolas, como o fato de algumas escolas do Ceará terem já atingido resultados que estavam para ser alcançados, pela previsão inicial, em 2020. Seu objetivo é, encerrando a ‘turnê’, escrever dois livros. Diante deste, não tenho dúvidas em afirmar que Caio Dib é hoje uma das pessoas mais preparadas para assumir o Ministério da Educação. Caio Dib para Ministro, já! E olhe que ele nem precisa de mesa, nem de gabinete, de assessor, para saber mais de Educação do que aquele que atualmente ocupa a Pasta. É só botá-lo dentro de um ônibus. O resto -e o que é o mais difícil de encontrar- ele já tem, e de sobra.

Deu na SIC: representantes dos setores público e privado do Brasil invadiram Portugal em busca de profissionais qualificados para trabalhar aqui. Vale tudo: engenheiro, eletricista, médico, dentista, professor, arquiteto, decorador, o diabo. Falta de investimento em educação costuma dar nisso: remete sempre a atraso e prejuízo. Fica bem mais caro buscar profissionais lá fora do que formá-los aqui dentro. Com o agravante que, certamente, grande parte deles deve voltar rapidinho para casa tão logo a situação por lá se normalize. Afinal, é sempre melhor estar em casa própria que na dos outros. Mais ou menos assim: ‘vou ali no Brasil ganhar um dinheirinho, que aqui anda em falta, e volto’. Sim, ainda somos colônia.

Para quem, como eu, pouco ou nada sabe de política econômica, sugiro o artigo de Vinicius Torres Filho, no Mercado de hoje, intitulado 'Tomates, Ônibus e Jeitinho'. O autor discorre com muita propriedade sobre a situação econômica brasileira, de Lula aos dias de hoje, e arremata: ‘se o governo fosse arrumar a casa para valer, haveria choro e ranger de dentes. Na melhor das hipóteses, porém, vai dar apenas uma varrida nas bobagens piores que fez. Talvez o ajuste venha em 2015, sob Dilma Rousseff ou outro encarregado. E assim vamos levando a nossa vida medíocre, com jeitinho’.

Quando os gestores se omitem, sobra para o mais fraco. No que diz respeito à violência, chama a atenção a matéria sobre os seguranças privados que são contratados por escolas e faculdades paulistanas para atuarem na via pública –o que, como todo mundo devia saber, é atribuição do Estado. Segurança privada, em geral, trabalha intramuros, com exceções dos casos de serviços específicos autorizados e supervisionados pela Polícia Federal. A função destes trabalhadores que atuam nas ruas em voltas das escolas é comunicar a uma Central a existência de suspeitos que representem algum tipo de perigo para os estudantes durante a entrada e saída das aulas. Na matéria, tanto a Escola quanto as empresas contratadas alegam desconhecer o assunto, e que estes trabalhadores não são seguranças, e sim apenas observadores. Até que aconteça o primeiro homicídio envolvendo algum deles, que serão enterrados com razoável dificuldade financeira, sem honras militares e tendo ao fundo as declarações de ‘lamentamos o ocorrido...’ que devem pronunciar as escolas, que não sabiam de nada, e as empresas de segurança, que pensavam que não era bem assim e provavelmente dirão que o funcionário morto não 'compreendeu a instrução passada por seus superiores'.

Mais um artigo, desta vez o de Clóvis Rossi, sobre o fato de o FMI ter admitido, ainda que subjetivamente, que cometeu um erro no programa econômico imposto à Grécia. Clóvis cita o artigo do líder grego Nigel Farrage, no The Telegraph, que diz que ‘a Grécia foi sacrificada no altar de uma fracassada experiência do euro, sua comunidade de negócios dizimada, suas famílias levadas à penúria, sua taxa de suicídio furou o teto (subiu mais de 40% no período da crise). O desemprego quadruplicou, o desemprego juvenil está em 64%. Sonhos foram destruídos, o futuro hipotecado – e as esperanças deixadas apodrecer em campos de oliveira não cuidados’. Um final poético e melancólico, afinal, posto que, como sabemos, aceita tudo esta egípcia invenção chamado papiro (pelo menos assim nos ensinou o Ettore Quaranta, em 1982, no Santa Rosa). Se essa não é uma descrição de genocídio social, já não sei definir o que é genocídio social. Isto quem diz não sou eu. É o Clóvis. Santo papiro.

Moreira Franco, sociólogo e Ministro da Aviação Civil, põe a culpa dos problemas aeroportuários no Brasil na ditadura, na burocracia (necessária para conter gastos, segundo ele) e, acreditem, em São Pedro. Imagina na Copa. Ah, sim, e pede desculpas pelos passageiros que tiveram problemas no Santos Dumont, na última semana. Traduzindo: não adianta reclamar deste problema. Passemos a outro imbróglio, portanto, que para este, da forma como hoje se apresenta, e segundo o Ministro, não há solução.

O Ferreira Gullar de hoje está para colecionador. Se não, vejamos: ‘meus poemas nascem do espanto, de algo que põe diante de mim um mundo sem explicação’. Este, vai para os guardados.


Xico Sá, de novo: ‘homem que é homem não sabe,  e nem procura saber, a diferença entre estria e celulite’.

sábado, 8 de junho de 2013

SABATINAÇÃO - 08/06/2013


 Também a moral é uma questão de tempo (Gabriel Garcia Marquez, Memória de Minhas Putas Tristes)

Amanheci o dia ligando para a Folha. Sem jornal, de novo. Fiz a assinatura há menos de um mês para receber meu exemplar somente aos sábados e domingos, e esta é a quinta vez que não recebo. Reclamo de novo, ameaço cancelar a assinatura, recorrer ao Procon, aquilo que todo mundo já sabe. Peço para a mocinha do atendimento fazer o favor de ligar para o responsável pela distribuição para ele voltar aqui e deixar o jornal pelo qual estou pagando, ela avisa que não tem jeito, e o que não jeito, remediado está, assim aprendemos, cordatos e compreensivos que somos. Eis que, um tempo depois,  Leonardo descobre o jornal pendurado no telhadinho do portão. Ou seja, o jornal veio, mas foi arremessado e acabou por cair em lugar indevido, e eu, que não tenho o hábito de olhar para cima para ver o que é que anda caindo sobre minha casa, não reparei. Feito o resgate, que Simone providenciou sem que eu perguntasse como, torno a ligar, pedindo desculpas pelo incômodo, e pedindo um novo favor à outra mocinha: peça ao rapaz a gentileza de arremessar o jornal em um lugar em que a gente enxergue –e alcance. Mas sem machucar ninguém.

Dilma vai a Lisboa em viagem cultural. De quebra, vai se reunir com o governo de lá para auxiliar na participação de grupos financeiros brasileiros durante a privatização da TAP e da empresa de Correios. Vou precisar de uma aula de política para entender certas coisas. O que aconteceu com a aversão petista às privatizações? Não é justamente por conta deste posicionamento que nossos aeroportos, por exemplo, estão na situação precária em que se encontram –um modelo aterrorizante de ineficiência, incompetência e inércia? Pelo jeito, o que é bom para Portugal não é bom para o Brasil.

Ainda ela: os dados das viagens internacionais da Chefa do Executivo não mais serão disponibilizados à população. Questão de segurança, dizem. Nada, absolutamente nada, que tenha relação com o constrangimento causado pela ocupação de 52 apartamentos em um hotel de Roma, em março último, pela comitiva da Presidenta, quando da posse do Papa Francisco. Para compensar, algum tempo depois, em viagem à Etiópia, foram usados apenas três apartamentos pela comitiva. Também, que bela porcaria que deve ser esta tal de hotelaria etíope. Nem Piazza Navona lá deve ter.

As apostilas disponibilizadas pela Secretaria de Educação do Rio de Janeiro aos alunos e professores da rede municipal apresentam erros crassos em operações de soma. Por muito menos que isso, na minha época, a gente levava reguada na cabeça sem direito a choro, da dona Esperança, nossa professora gigante e com brincos de argola e sobrancelhas enormes. Não fica só nisso. A capital de Pernambuco é Belém, a da Paraíba é Manaus,  e a sigla do mesmo Estado virou PA (o que será que fizeram com a do Pará?). O pessoal lá da Secretaria esclareceu que ‘a produção é feita com a supervisão de sua área técnica e de consultores de áreas das principais universidades federais do Rio’. Ah, bom. Com relação à questão das capitais, fico imaginando a dona Esperança, com o devido vestido verde, se dobrando de tanto rir da nossa cara estúpida. Pois é, professora, a senhora tinha que estar vendo isto. Tomara que esteja.

Mas se bem que, no caso da Folha, que outro dia grafou um ‘sombril’ na capa da Ilustrada, esta matéria sobre as apostilas no Rio vieram bem a calhar. É uma bela forma de dizer ‘a gente erra, mas tanto assim, não’.

Essa questão indígena é um desmantelo, como diria seo Benício. Tem cheiro de trapaça, e das grandes. Convivi com alguns durante os meses em que trabalhei em Cuiabá e sei que, de bobo, a indiada não tem é nada. Conhecem lei, conhecem seus diretos e sabem exatamente o que fazer em cada uma das situações em que são desconsiderados. Agora, o que não dá pra entender é a mínima repercussão sobre a morte do terena durante a reintegração de posse da fazenda Buriti, no Mato Grosso do Sul, numa operação que, segundo o jornal, não respeitou o que é determinado pela própria Polícia Federal. O índio morreu com um tiro nas costas, assim como aconteceria cinco dias depois, em operação parecida, também conduzida pela PF, com outro índio que até o momento, pelo que constam, ainda está vivo. A nota ruim da reportagem é não haver nenhuma declaração de representante dos índios, ao contrário da RTP que, no jornal da noite esta semana, cobriu a notícia com uma entrevista com um dos líderes dos invasores. Isso ainda vai dar pano pra manga. A Constituição de 88, que me conste, assegura os direitos dos índios à terra, à cultura e às tradições. Como pretendemos avançar sem respeitar os direitos de todos? Como bem disse a senadora Kátia Abreu, ‘a situação está fora de controle’. Prudentemente, a presidente da Funai afastou-se do cargo, por questões de ordem médica –compreensíveis, é bom que se diga, uma vez que teve seguidos afastamentos nos últimos meses para tratar da saúde. Mas é mais uma cumbuca em que nossa itálica Presidenta será obrigada a enfiar a mão, tão logo retorne do jantar de gala que lhe será oferecido pela corte portuguesa. E que ela faça o favor de provar  o forte gosto do Porto que lhe for servido, menos espesso que os sangue dos terenas que têm manchado o solo de nossa mãe, que já foi bem mais gentil, como diria o burro do Schrek.

O artigo ‘Selva de Bestas Assassinas’, do diplomata e escritor Alexandre Vidal Porto (nunca tinha ouvido falar, eu e essa minha ignorância sem remédio, Chicó) é uma porrada. Transcrevo: ‘As penas alternativas e medidas socioeducativas ajudam, mas não podem servir como paliativo para problemas como sobrecarga judicial e superlotação prisional. A experiência parece indicar que, em situações de violência endêmica grave, como a brasileira, o caminho a seguir é inverso ao da flexibilização das penas. Não podemos tratar tuberculose com aspirina. Qualquer aluno de direito aprende que lei sem sanção não tem eficácia. Não é porque a criminalidade tem causas vinculadas à injustiça social que ela deve ser tolerada. É uma questão de vida ou morte. As autoridades brasileiras têm obrigação de proteger os cidadãos. Se não o fazem, não estão à altura dos cargos que detêm. Uma cidade em que se pode ser queimado vivo é como uma selva em que se pode ser comido por leões. Parece que nossas cidades se tornaram em uma selva de bestas assassinas. Não dá pra deixar assim’. Lúcido, objetivo e pontual. O que falta hoje em dia.

Xico Sá: não sei o que é pior: o rebaixamento ou o zero a zero.

Falando em zero a zero: em uma semana de virose inédita, com otite, amigdalite, conjuntivite e sinusite, com pouco repouso, muito antibiótico e muita leitura, lancei mão de um grande médico para me acompanhar no estaleiro: João Guimarães Rosa e seu Sagarana, que muita gente diz ser sua obra definitiva, ao invés do Grande Sertão. A travessia até o fim da licença médica, se não melhora a saúde, fica mais prazerosa. Valeu, João - que a gente ainda não descobriu se existiu ‘de se pegar’,  como vaticinou o Poeta Maior.


Hoje, no lugar da indefectível ração para pássaros comprada na loja, peguei um mamãozão meio estragado que estava na banca de frutas da praça. Caro, quase quatro reais. Mais caro que a ração, sem dúvida. Mas valeu o resultado:  neste momento, pouco depois das quatro da tarde, cinco tirivas, dois sanhaços e um anu branco se debruçam sobre a fruta, enquanto os colibris disputam o espaço aéreo do potinho de água levemente adocicada (se não, dizem, dá câncer nos bichinhos). Como eu já disse, num dia de inspiração manoelina, os passarinhos são os verdadeiros anjos de Deus.

Cartas para Ouricuri, Salerno e Estados Unidos. E Itajubá, aqui do lado.