Benilson Toniolo
O caso se deu nas Alagoas,
meados dos anos 1940. Aos setenta e seis anos, vô Tolentino começou a sentir o
peso da idade. Não nos braços e nas pernas, no coração, na vista e nos ouvidos,
que por ali estava tudo certo. O vô continuava firme e forte. O problema era,
digamos assim, mais centralizado. A potência não era mais a mesma. O negócio
andava esquisito. Aquela fraqueza toda. Vô Tolentino nunca tinha ouvido falar
que isso acontece com todo homem. Nunca tinham lhe explicado nada. Estivera internado
somente uma vez na vida, pra retirar da perna uma bala do revólver disparado, sem
querer, pelo irmão Euclides, quando ambos ainda eram moços e Tolentino ensinava
o mano a atirar. Mas nem naquela ocasião, nem em outra qualquer, alguém tinha
lhe dito que o negócio ia, simplesmente, parar de enrijecer. De ficar duro. Pronto
para a batalha.
Aquilo não entrava na cabeça iletrada
e sertaneja do vô. Homem é homem desde que nasce até quando morre. Não tem esse
negócio de ser meio homem. Tinha tido nove filhos, dezessete netos, três
bisnetos. Saíra tudo dele, do seu corpo, dos seus bagos. Da sua força de homem
sertanejo. Como é que agora isso acabava? Só tinha uma explicação. Dona
Santinha. A mulher. A esposa que se entregou a ele aos doze anos de idade. A
mulher que ele raptara da casa do sogro e que se deitava com ele há sessenta
anos. O problema era ela. Só podia ser. Desde que deixara de freqüentar os
cabarés de raparigas, vô Tino só fazia as coisas com a mulher. E aquela
esquisitice toda que com ele se passava só podia ser culpa dela, que não estava
se esforçando. Que não ajudava. Que não se preocupava em satisfazer o marido. O
vô ficou bravo com a constatação.
Todas as noites, tentava e não
acontecia nada. Irritava-se. Ameaçava dar em dona Santinha. Acusava,
praguejava, xingava com nomes feios. Dizia que ia voltar ao cabaré se ela não ajudasse.
Dona Santinha chorava. Não tinha mais idade para esse sofrimento. Setenta e
dois anos. Queria descansar e o marido aporrinhando a noite toda. Um dia, no
auge da danação, vô Tino empurrou a mulher da cama.
Dona Santinha procurou os
filhos. Estava saindo de casa. Não agüentava mais. Mas quem é que ia falar com
o pai? Homem bruto, sem instrução, homem da roça, não ia entender nada. Combinaram
de levá-lo ao médico. Mas, antes, fizeram uma visita ao doutor, para antecipar
o assunto e fazer com que o pai entendesse de vez o que é que se passava.
Chegou o dia da consulta. Os
dois filhos mais velhos acompanhavam vô Tino. O médico fazia as perguntas de
praxe. Sente dores, seu Tolentino? Que não. Incômodo? Que não. Zonzeira,
vertigem, sono em demasia, cansaço, vontade de morrer? Que não. Tremedeira nas pernas,
falta de apetite, esquecimentos, pesadelos? Que não, que não, que não.
Para surpresa geral, quem
introduziu o assunto da impotência foi o velho. Contou tudo. Até de ter
derrubado a esposa da cama. Estava arrependido e a ponto de enlouquecer com aquilo.
O que é que está acontecendo comigo, doutor?
O médico explicou. Seu Tino não
entendia. O médico disse, redisse, falou, explicou, rabiscou num papel,
desenhou, e nada do homem entender. Não queria entender. Não aceitava. Aquilo
era coisa nova, de medicina nova, que alguém inventou para prejudicar os
outros. Que não. Que não. Que não.
Uma hora de consulta e nada.
Até que o doutor achou de fazer uma proposta inusitada. Pediu aos meninos pra
que saíssem da sala. Que esperassem lá fora. Ôxe, que diabo, pensaram os dois.
Saíram. Ficaram só o médico e seu paciente queixoso. Seo Tino, o senhor vai em
cabaré? Já fui muito, doutor. E lá o senhor teve este problema? Ôxe. Nunca não,
doutor. Faz tempo que não apareço por lá. E por que o senhor não volta lá? Ié?
Faz o seguinte: o senhor volta lá e pega uma menina bem bacana, do jeito que o
senhor gosta. Mas não conte nada a ela de seu problema. Capriche na rapariga. Tem
que ser do jeito que o senhor achar bom. Se quiser, tome umas duas canas antes,
pra descontrair. E tenta com ela. Se der certo e o negócio sair direito, ao sim
poder que o problema até seja com sua patroa. Eita, peste. E se não der certo,
doutor? Aí, seu Tolentino, não tem jeito. O senhor vai ter que procurar umas
ervas aí pra ver se o negócio levanta.
Os filhos voltaram à sala,
deram-se as despedidas, os agradecimentos, o pagamento da consulta. No caminho não
tocaram no assunto, nem mesmo perguntaram do que havia tratado com o doutor
quando tiveram que deixá-los sozinhos. Se o pai não contava, era porque ninguém
tinha que saber. Tomaram o café preparado por dona Santinha, deixaram o homem em casa e voltaram com a sensação da missão cumprida.
Na noite de sexta-feira vô
Tolentino banhou-se, vestiu-se, aperfumou-se e saiu-se em direção à rua das
meretrizes. O que se passou lá dentro ninguém sabe. Há quem diga que viram o
homem sair, três horas depois de ter entrado, cabisbaixo e sem destino. Não voltou
para casa, e passou a noite sentado num banco da estação dos barcos, olhando
para o céu, para a cidade atrás de si e para o rio. E, pelo que consta, foi
visto por mais de uma vez enxugando as lágrimas dos olhos. Assim que amanheceu,
levantou-se e caminhou em direção à sua casa e aos braços sempre abertos de sua
adorada Santinha.