segunda-feira, 21 de abril de 2014

FELIZ PÁSCOA, BERNARDO


Benilson Toniolo

Neste domingo de Páscoa, penso em Bernardo.
Um pequeno brasileiro. De onze anos. Lindo. Um menino cuja mãe suicidou-se (pelo menos, é o que dizem) há quatro anos; um menino que reclamava o afeto dos pais –mais precisamente, do pai natural e da madrasta; um menino que gostava de pegar a meia-irmã, ainda bebê, no colo, mas que foi proibido de chegar perto da criança; um menino que procurou as autoridades para que seu problema familiar fosse resolvido –e que não foi atendido; um menino que, ao sair da escola, rumava para a casa de uma antiga amiga de sua falecida mãe, e lá brincava, fazia o dever de casa, descansava e era alimentado; um menino que orgulhosamente dizia que a profissão do pai era ‘salvar a vida das pessoas’ –e era mesmo, pois era médico; um menino que não aparecia nas fotos da família; um menino que não tinha sequer as chaves de sua própria casa, e que para entrar nela tinha que escalar um muro de quase dois metros de altura, conforme informou uma conhecida. Um menino como qualquer outro, um pequeno brasileiro cuja curtíssima vida foi tragicamente ceifada por aqueles que deveriam, justamente, defendê-lo e preparar-lhe a carne e o espírito para as rudezas e as maldades do mundo.
Como morreu Bernardo, aquele menino tão bonito que aparece nas fotos dos jornais e da tevê? Quem o matou? Difícil saber, e desnecessário saber. A única informação realmente importante nesta história é que o menino foi assassinado. Simples assim.
Neste domingo de Páscoa, penso em Bernardo. E em Isabella, e em Juan, e em João Hélio, e nos inúmeros brasileirinhos terrivelmente assassinados por quem deveria justamente cuidar deles –a família e o Estado.
Neste domingo de Páscoa do ano dois mil e quatorze, penso que o futuro de um país também pode ser medido pela forma com que nele são tratadas e cuidadas suas crianças. E a impressão que tenho é que  existem milhões de pequenos brasileiros que são literalmente despejados a cada dia para as ruas, pelas avenidas, pelas escolas. É como se os chutássemos de casa a cada manhã com um pontapé no traseiro e disséssemos: ‘tente voltar vivo’. E eles voltam. De um jeito ou de outro, eles acabam voltando.
A casa é o refrigério. Se dentro dela as nossas crianças não tiverem segurança, alimentação e afeto, elas simplesmente vão embora. Vão para outras casas. Vão para a rua. Aí, sim, elas não voltam. Nunca mais.
No caso do lindo Bernardo, foi diferente. Apesar da falta de afeto e atenção diária, ele sempre quis voltar para casa. A casa de seu pai. E encontrava a porta trancada. Pulava o muro, batia à porta, entrava. E sabe Deus o que encontrava lá dentro.
Neste domingo de Páscoa do ano de dois mil e quatorze, o rosto do lindo Bernardo insistentemente permanece em nossas mentes. Está presente durante as refeições, nas páginas do jornal, no sorriso de nossos filhos, nos cartazes de ovos de chocolate expostos exaustivamente nas vitrines das lojas. Bernardo é aquela menina que acena no carro que passa velozmente na avenida. Bernardo é o garoto com a camisa da seleção. Bernardo é o menino que faz birra e se atira no chão da loja de brinquedos. É o menino que não gosta de comer verduras. Bernardo é o filho do vizinho que chora desesperado porque não consegue defender com as luvas novas os chutes que o pai dá na bola de borracha –cada vez de um lado, só para irritar mais o menino. Bernardo é tudo isso. É dele o rosto exangue na cruz do calvário esperando para ser ressuscitado.
A justiça julgará rapidamente o caso –afinal, o apelo da mídia é altíssimo. Poucos assuntos são mais ‘ricos’ para a imprensa do que um menino assassinado pela própria família. Os suspeitos serão presos. O delegado ficará famoso e aparecerá na televisão. Psicólogos serão entrevistados. A casa da família será pichada. O rosto lindo do menino estampará as capas das revistas semanais. Até a próxima tragédia envolvendo um dos nossos pequenos brasileiros, mortos pela família ou pelo Estado. No momento, já deve ter alguém escrevendo um livro a respeito.  
A gente fica procurando Deus no meio disso tudo. E, independentemente das doutrinas confusas e geralmente ilógicas das religiões, nossa verdadeira esperança é que Bernardo esteja neste momento em algum lugar tranqüilo –talvez, sentado sobre um nuvem desenhada pelo Maurício de Sousa- de mãos dadas com a mãe, a celebrar, com seu sorriso lindo, o milagre do reencontro e da verdadeira ressurreição.
Não há muito o que dizer, como diria o poeta. No fim deste domingo de Páscoa, provavelmente desistiremos novamente de tentar entender certas coisas.

Feliz Páscoa, Bernardo. Que Deus te acolha e te faça dormir. 

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