terça-feira, 24 de julho de 2012

MAURO VALLE ESTÁ VOLTANDO A ESCREVER...


Para quem gosta de Poesia, para quem gosta de Arte e para quem gosta de Campos do Jordão não poderia haver notícia melhor. Depois de uma "parada no estaleiro" que já leva alguns anos, que o obrigou um derrame cerebral, o Poeta Mauro Valle volta a escrever. Ainda que com a mão esquerda, ainda que com imensa dificuldade -que só a prática e o exercício amenizarão- ele passa horas na mesa da casa da Vila Ferraz a copiar trechos inteiros de seus longos poemas, contidos em algum dos seus oito livros.
Sou fã de Mauro desde que conheci sua obra, apresentado que fui por Sérgio Asquenazi, o valoroso Diretor da Biblioteca Municipal. Ainda hoje seu Anjo Eveline, sua esposa, me liga de vez em quando e me convida para visitá-los. Chegando na casa sou recebido por um abraço apertadíssimo de Mauro, que me olha com seu olhar de menino encantado,  fica dizendo  "rapaz, rapaz..." e me conduz ao sofá da sala, onde ficamos por horas lendo poemas em voz alta e conversando sobre vários assuntos -menos futebol, porque Mauro infelizmente é corinthiano. Fazer o quê, minha gente? E enquanto dá sequência à interminável via sacra a que se dedica para deixar em ordem a grande casa, Eveline me oferece uma água de coco e de tempos em tempos sussurra ao Poeta: "Quer alguma coisa, meu anjo?"
Ler os poemas de Mauro para ele mesmo é um privilégio, além de me possibilitar -a mim, que sou seu admirador confesso- um contato maior e mais íntimo com sua obra.
Pois Mauro é assim. Ou se não é, foi assim que o conheci, e por quem me afeiçoei pelos caminhos da literatura e da fraternidade.  Sem falar no fato de que não é todo mundo que tem o privilégio, como eu tenho, de ser amigo de quem se admira.
Com a volta de Mauro à literatura, pelo menos para mim, o mundo fica bem melhor.
Abaixo, um dos poemas de sua autoria que publiquei no Blog Nova Poesia Brasileira, recitado por Eduardo Suplicy no Senado, no ano passado:



XXVIIIGarças de Tremembé
Clareai a minha hora
Ó arrozais erguidos
Na solidão da planície
Tecei para mim
Portas de vento e verdes
Um riso que seja o rio
Da serrania de meu coração

Vinde, meus irmãos
Ouvir as alvoradas
Que os homens não quiseram entender
Eles enganam, matam, corrupiam
À luz da salmodia
Cifrão

Garças de Tremembé
Irmãs da inocência
Que às vezes perdi
Quem sou senão esquecimento?
Que sois senão as asas que me restam?
Vosso vôo em branco
Antigo chamamento
Agora é meu ser amanhecendo


terça-feira, 3 de julho de 2012

RUY PROENÇA E DONIZETE GALVÃO

                                                 Ruy (à minha direita) e Donizete

Os poetas Ruy Proença e Donizete Galvão estiveram em Campos do Jordão na tarde do último sábado, dia 30 de junho, para falar sobre Poesia com o público (diminuto, a bem da verdade, mas qualificado e atento) presente no plenário da Câmara Municipal. 
Donizete discorreu sobre o tema "O processo Poético", passando pelos diferentes períodos históricos da Poesia, enquanto Ruy optou pelo tema "Antevisão e Retrovisor". Donos de considerável obra e grande capacidade de transmitir parte do vasto conhecimento literário e cultural que acumulam, ambos contribuíram de forma grandiosa para o entendimento e a compreensão dos temas propostos.
Da minha parte, além das três páginas que preenchi em meu inseparável e avacalhado caderno de anotações sobre o que disseram, a certeza de ter feito bons amigos e de ter compartilhado preciosos momentos de quem comunga da mesma fé: a Literatura.
O cardápio foi variado, eclético, imperdível: muito Drummond e João Cabral, Maiakovski, Baudelaire, Goethe, e até Leopardi deu as caras por lá (mas ficou pouco). Mauro Valle e Roldão Mendes Rosa, como não poderia deixar de ser, foram citados.
Um pouco dos meus novos amigos:

RUY: nasceu em São Paulo, em 1957. Engenheiro de minas.
Obra poética: Pequenos Séculos, Editora Klaxon, São Paulo, 1985; A lua investirá com seus chifres, Editora Giordano, São Paulo, 1996; Como um dia come o outro, Nankin Editorial, 1999. Participa da Anthologie de la poésie brésilienne, organização de Renata Pallottini, Éditions Chandeigne, França, 1998.
FRONTEIRA
Nasci de um acaso.

Como esse muro
à minha frente
alto
dividindo duas vizinhanças.

Alguém me deu à luz,
alguém me tirou a luz.

Não vejo o mundo:
miro o muro.

Dele conheço
cada detalhe.


DONIZETE: Poeta e jornalista, tem trabalhos publicados nas revistas Nicolau, Cult, Poesia Sempre, Sebastião, Dimensão, Mariel (Miami), Babel (Venezuela), Blanco Móvil (México), Anto (Portugal), Anterem e Ricerca (Itália) e nos principais jornais do Brasil. Na França, participou da Anthologie de La Poésie Brésilienne (Editions Chandeigne).
No Brasil, seus poemas estão na Antologia da Nova Poesia Brasileira (Rioarte/Hipocampo), Antologia da Poesia Mineira do Século XX (Imago Editora) e Na Virada do Século — Poesia de Invenção no Brasil.

Seixos

Invenção do branco

                           “...all this  had to be imagined
                                          as an inevitable knowledge.”
                                                       Wallace Stevens

O tanque é o avesso da casa.
A rebarba.
A ferrugem tomando conta da boca.
O tanque é a parenta decaída,
que machuca os olhos das visitas
com suas carnes rachadas.
O tanque é onde se lava o coador
e o pó de café de seguidas manhãs
desenha uma poça de água preta.
Uma arraia-miúda,
ervas e craca e limo,
flora sem -vergonha,
infiltra-se em suas paredes.
À beira do poço,
alguém imaginou copos-de-leite.
Bebendo a umidade,
em verde e branco brotaram.
Reinventados pela distância,
erguem-se vívidos,
mais brancos que o branco,
artifício de vidro.
Recém-nascidos.
Só porque eles existem,
o tanque e seu corpo saloio
foram salvos do esquecimento.