Benilson Toniolo
Ouço no rádio o escândalo do dia. No
Brasil do PT, é assim: os escândalos se sucedem na escala de um por dia. Desta
vez, carteiros a serviços dos Correios foram flagrados distribuindo material de
campanha da candidata Dilma Rousseff. Ou seja, funcionários de uma estatal
(apesar de existirem varias franquias) a serviço de um partido político.
Constrangedor, no mínimo. Os folhetos com a cara sorridente de Dilma não foram
selados. Não foram pagos. Ao invés de cumprirem suas jornadas de trabalho
entregando correspondências à população, os entregadores uniformizados
distribuíam material de campanha da presidente da República candidata à
reeleição. Se alguém ainda não sabia o significado da expressão “aparelhamento
do Estado”, acabou de descobrir.
Somem-se a este caso os escândalos da
Petrobras, as mentiras deslavadas, as calúnias dirigidas aos demais candidatos
à Presidência, a incapacidade de gerir a economia do País (chegam a inventar
uma crise internacional para justificar a estagnação econômica do Brasil,
quando sabemos que até a Bolívia apresenta crescimento mais elevado do que o
nosso), um sistema de saúde falido, a inoperância frente ao triunfo do
narcotráfico que age livremente em nossas fronteiras e dentro do território brasileiro,
a falência das polícias, um sistema educacional arcaico, oneroso e
ultrapassado, um sistema de concessão de bolsas que é mais um instrumento de
garantia de votos do que qualquer outra coisa, o sucateamento das instituições
(que o diga o Itamaraty), a compra de apoio do Legislativo, o cerceamento da
imprensa, a difamação de jornalistas, e por aí vai. Posso dizer sem medo de
errar que nunca houve um grupo de pessoas no comando do País mais corrupto do
que este do PT. E, no entanto, Dilma lidera as pesquisas de intenção de voto
para a presidência. Deve inclusive ser reeleita. Só posso concluir: o povo
brasileiro e o Partido dos Trabalhadores se merecem. São iguais. Um é reflexo
do outro. Porque quem se alia a bandido, a ele se equivale. E quem vota em bandido
não é simpatizante. É comparsa. É cúmplice.
Conheço o PT não é de hoje. Mais
precisamente, de meados de 1991, quando comecei a me envolver com literatura e
com o pessoal da Secretaria de Cultura da Prefeitura de Santos. Passei mesmo a
colaborar com alguns projetos de cultura nos bairros, ciclos de poesia e prosa,
reuniões de escritores, teatro, música, dança. Aquilo para mim era um
deslumbramento.
Através do trabalho do pessoal que
atuava na Secretaria, passei a nutrir grande admiração pela prefeita, Telma de
Souza, de quem até hoje sou admirador.
Conheci Beatriz Rota-Rossi, Valdir
Alvarenga, Jair dos Santos Freitas e outros batalhadores. Aprendi um bocado com
esta turma. Passei a freqüentar a faculdade de Filosofia e Letras da Unisantos.
Não o curso, que eu não tinha dinheiro para bancar, mas o ambiente
universitário. Frequentava a faculdade vários dias por semana. Tinha ali um
monte de namoradinhas. Afora isso, o pessoal do Teatro Municipal, o Núcleo de
Convivência Literária, o pessoal da dança ensaiando sobre textos de Maiakovski.
Minha alma começou a pulsar e a entender o idioma da Arte.
Meus poemas, apesar de ruins e imaturos
–não que os de hoje não o sejam, ruins e imaturos- saíam publicados no Clips,
depois no D.O. Urgente. Santos não era como o Guarujá, onde eu morava. Eu não
conhecia nenhum artista de Guarujá. Mas de Santos, conhecia muitos. Não todos.
Mas muitos.
Minha admiração pelo trabalho desenvolvido
pela Prefeitura não tinha fim. Veio a greve dos Estivadores, e vi Telma de
Souza, no alto das escadarias da Prefeitura na Praça Mauá, bradar: “vamos parar
esta Cidade! Enquanto os trabalhadores do Porto não forem valorizados, vamos
até o fim!”. Reparei que não havia nenhuma câmera, nenhum microfone por perto.
Ela, a prefeita de Santos, conclamava sua equipe a apoiar os grevistas. Subi
num caminhão na General Câmara, íamos parando e fechando o comércio. Paramos no
Gonzaga. Me deram o megafone. Fechei dois restaurantes –o dono de um deles, um português,
queria me bater alegando que ele não tinha nada a ver com aquela greve- e duas
agências bancárias. Só no gogó. Me levaram para a sede do Sindicato, na Rua
João Pessoa. Me apresentaram para um monte de gente. Perguntaram onde eu
trabalhava. Em lugar nenhum, respondi. Desempregado. As pessoas riram.
Quando Lula ia a Santos para algum
compromisso, o pessoal da Secretaria me ligava. Eu ia. Ele não. Trabalhei pela
eleição de Capistrano, o secretário da Saúde de Telma. Lembro da musiquinha da
campanha até hoje, um sambinha desses que grudam na cabeça da gente. E gruda
tanto que até hoje me ocorre. O governo da Telma foi tão bom que conseguiu
fazer seu sucessor, um médico preto e nordestino.
Passei a andar com a estrela do PT na
camiseta e numa boina branca que eu gostava de usar. Eu votava em Lula. Votei
para deputado federal. Para presidente, em 89. Sempre acreditei no seu
discurso, na sua vontade de fazer um Brasil mais justo para todos. Acreditei
até quando o vi chorar. Lula era nordestino como meu pai. Operário. Trazia a
esperança de um futuro diferente. Representava exatamente o oposto do que se
conhecia como política. ossde Souza, de quem atetaria, passei a
nutrir grande admiraçia e prosa, reunioes cretaria de Cultura da Pr
Em 1997, no Nordeste –eu gerenciava um
hotel lá- soube que Lula estarei na Cidade. Falei com o pessoal de Santos, que
me colocou em contato com o PT de lá. Consegui levar Lula para gravar um
programa no nosso Centro de Convenções. Tirei uma foto com ele. Chamei-o de
Presidente Lula. Fiquei impressionado com seu mau humor e a quantidade de
palavrões que ele proferiu nos cerca de trinta minutos em que lá esteve.
Ofereci-lhe um apartamento para descansar, comer alguma coisa, tomar um banho.
Ele me olhou e não respondeu. Olhou
fixamente para as pernas de minha mulher, que tirava as fotos. Depois,
foi embora sem se despedir de ninguém. E falando palavrões. Lula, dizem, fala
muito palavrão até hoje.
Lula teve nas mãos a grande chance de
promover a revolução institucional e moral que este País precisava em 2005, por
ocasião do escândalo do Mensalão. Deflagrada a crise, poderia ser o
protagonista das reformas necessárias que finalmente colocariam o Brasil nos trilhos do
desenvolvimento. Ele tinha a seu lado o apoio da opinião pública, da mídia, do
povo, do mundo inteiro. Era um país inteiro na expectativa de que o presidente
assumisse sua condição de grande estadista. E ele refugou. Alegou
desconhecimento. Disse que não sabia, Que não tinha sido informado. Agiu como
agiriam todos aqueles a quem atacou durante toda a sua vida. Foi covarde,
leviano, mesquinho. Foi pequeno. Foi ridículo. Fugiu para a Europa e
escondeu-se nos carpetes felpudos dos hotéis estrelados e dos palácios. Porque
o Lula operário e defensor dos pobres
morreu no dia da posse, em 2003. A partir dali, surgiu o político
deslumbrado e de rabo-preso.
Lula revelou-se não o pior, mas o mais
maquiavélico de nossos presidentes. Inescrupuloso, teceu complicadas alianças
com algumas das figuras mais abjetas e reacionárias da República. Ajoelhou-se
perante Jader Barbalho, e beijou-lhe as mãos. Abraçou Maluf, pediu conselhos a
Sarney, mancomunou-se com Calheiros.
O PT comprou parlamentares, criou
ministérios e secretarias para presentear aliados. Comprometeu o patrimônio
nacional ao distribuir dinheiro público a Cuba, Venezuela, Paraguai, Bolívia.
Fez a alegria dos ditadores africanos perdoando dívidas. Subjugou a soberania
italiana ao recusar-se a extradição de Battisti. Ignorou os perseguidos políticos
do regime de Fidel.
Lula para mim, como estadista, é um
perfeito desastre. Como homem público, um farsante. E como político, um
caluniador e difamador como poucas vezes vimos na história deste País.
Enganou-nos a todos, nós que vimos seu nascimento político e ascensão.
Tornou-se igual, e até pior, aos que combatia. Vendeu-se. Nivelou-se ao que há
de pior. Mente. Lula mente o tempo todo.
Dilma, por sua vez, provavelmente será
reeleita. Por quê? Porque, apesar de todos os escândalos, governa um País onde
não há oposição (neste sentido, a atuação do PSDB é patética), onde a maioria
das pessoas não dá a mínima para a política (a educação está falida,
lembram-se?) e que ainda sofre com a falta de líderes com idéias inovadoras e
preparo técnico adequado –reflexo ainda dos males da ditadura.
A dois dias do pleito presidencial, meu
voto é declarado: não voto no PT. Porque o que conheci como PT morreu, não
existe mais, e já faz tempo. O PT de hoje representa uma ditadura velada, que
faz apologia à ignorância (a educação está falida, lembra?) e persegue seus
poucos opositores. E de ditadura nós, os brasileiros, já deveríamos estar
fartos.
Quanto à foto que tirei com Lula, não
sei onde guardei. Mas desconfio que está perdida entre as páginas d´O Príncipe,
de Machiavelli, ou de Macunaíma, o Herói Sem Nenhum Caráter, de Mario de
Andrade. O que, podem estar certos, é uma atitude deliberada.