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Dia desses, fui a São Paulo de
ônibus, coisa que sempre gostei de fazer. De vez em quando é bom, em meio à correria do
dia-a-dia, esta paradinha. Mudar de ares por algumas horas e, voltando, agradecer
a Deus por poder morar em um lugar tão bonito e restaurador como Campos do
Jordão.
Imaginei o de sempre: uma
viagem tranquila, capaz de proporcionar três ou quatro horas de leitura,
organização de agenda, registrar algumas ideias, um cochilo, ler o jornal do
dia, com direito a uma paradinha em S. José para um café e a providencial ida
ao banheiro.
Mas este quadro, meus amigos,
ficou no passado. A viagem foi um verdadeiro martírio para quem, como eu,
esperava simplesmente “curtir” a paisagem e o trajeto.
Explico. Com o advento, a popularização
e o desenvolvimento da telefonia móvel no Brasil, digo sem medo de errar que, o
que antes era uma viagem agradável, se tornou um verdadeiro suplício.
Um ônibus possui quarenta e quatro
lugares, que é a capacidade máxima de cada veículo deste porte. Descontadas as crianças
e um ou outro indivíduo que bravamente ainda resiste, posso dizer que eram cerca
de trinta passageiros portando celular. Isso dá, no mínimo, trinta cidadãos com
o celular ligado, durante 180km. E como discutem, como riem, como falam alto,
como gritam! Uns falam palavrões, outros oram, há quem lamente, quem reclame,
quem brigue, quem oriente o interlocutor sobre como preparar um prato sem que
grude na panela, quem articula, quem relate com riqueza de detalhes os
acontecimentos da última balada... Tem empregado falando mal do patrão, patrão
que fale mal dos empregados, e detalhes sórdidos e desonestos de negociações e
contratos, enfim, “podres” corporativos que dariam um livro. Há os executivos
que tratam de negócios e insistem em levantar a voz para que todos notem que
ele é um sujeito muito importante. Tem
uma que repete inúmeras vezes o número do voo e o portão de embarque –tola,
desconhece que as viagens aéreas, bem como os celulares, não são mais
privilégio de poucos. A outra está
apaixonada, e confidencia a quem parece ser sua amiga que não vai esperar nem
um mês para se separar do atual marido. O garotão reclama do excesso de zelo da
mãe, da sovinice do pai, do namorado da irmã e do orientador do seu TCC.
E os erros de português, então?
É um festival de “menas”, “poblema”, “todoscauso”, “os pessoal”, entre outras expressões,
que acabam por ajudar a tornar a viagem mais divertida e provocar até mesmo,
talvez, uma reflexão mais profunda sobre os rumos tomados pela educação em nosso País nos últimos anos.
A cada toque, um barulho
diferente a interromper o cochilo, a leitura, o sossego. Com metade do caminho
percorrido, prestando bem atenção, a gente consegue ficar íntimo de quase uma
dezena de passageiros. A promessa de uma viagem tranquila e agradável dá lugar
a uma quase insuportável pressa de chegar logo.
Seja lá qual for o nome que
deem os estudiosos a este fenômeno da necessidade que as pessoas têm hoje de
aparecer, a questão é que o negócio está incontrolável. As pessoas vivem sob o
signo da vaidade e da inveja dissimuladas, e isto é plenamente perceptível nas
atitudes, nas roupas, nas postagens das redes sociais, e também nos telefonemas
públicos. Tanto quanto o consumismo desenfreado que, pelo jeito, há de pôr fim
à nossa espécie, o que salta aos olhos é a nossa mudança de comportamento. Não basta
mais somente comprar. Temos que comprar o melhor, o mais caro, o último modelo,
e é necessário que o maior número possível de pessoas saiba disso.
Perguntado em uma entrevista sobre
se preferia a companhia de pessoas ou de livros, o escritor israelense Amos Oz
respondeu que preferia “livros com
pessoas dentro”. Compreensível, claro. Lá, pelo menos, as pessoas não devem falar
tanto ao celular.
Em tempo: fiz a viagem com
dois celulares no bolso. E um deles só tocou uma vez. Era engano.
Benilson Toniolo