quinta-feira, 25 de outubro de 2012

A MORTE DA PRIVACIDADE

                                             Foto: site www.123rf.it


Dia desses, fui a São Paulo de ônibus, coisa que sempre gostei de fazer.  De vez em quando é bom, em meio à correria do dia-a-dia, esta paradinha. Mudar de ares por algumas horas e, voltando, agradecer a Deus por poder morar em um lugar tão bonito e restaurador como Campos do Jordão.
Imaginei o de sempre: uma viagem tranquila, capaz de proporcionar três ou quatro horas de leitura, organização de agenda, registrar algumas ideias, um cochilo, ler o jornal do dia, com direito a uma paradinha em S. José para um café e a providencial ida ao banheiro. 
Mas este quadro, meus amigos, ficou no passado. A viagem foi um verdadeiro martírio para quem, como eu, esperava simplesmente “curtir” a paisagem e o trajeto.
Explico. Com o advento, a popularização e o desenvolvimento da telefonia móvel no Brasil, digo sem medo de errar que, o que antes era uma viagem agradável, se tornou um verdadeiro suplício.
Um ônibus possui quarenta e quatro lugares, que é a capacidade máxima de cada veículo deste porte. Descontadas as crianças e um ou outro indivíduo que bravamente ainda resiste, posso dizer que eram cerca de trinta passageiros portando celular. Isso dá, no mínimo, trinta cidadãos com o celular ligado, durante 180km. E como discutem, como riem, como falam alto, como gritam! Uns falam palavrões, outros oram, há quem lamente, quem reclame, quem brigue, quem oriente o interlocutor sobre como preparar um prato sem que grude na panela, quem articula, quem relate com riqueza de detalhes os acontecimentos da última balada... Tem empregado falando mal do patrão, patrão que fale mal dos empregados, e detalhes sórdidos e desonestos de negociações e contratos, enfim, “podres” corporativos que dariam um livro. Há os executivos que tratam de negócios e insistem em levantar a voz para que todos notem que ele é um sujeito muito importante.  Tem uma que repete inúmeras vezes o número do voo e o portão de embarque –tola, desconhece que as viagens aéreas, bem como os celulares, não são mais privilégio de poucos.  A outra está apaixonada, e confidencia a quem parece ser sua amiga que não vai esperar nem um mês para se separar do atual marido. O garotão reclama do excesso de zelo da mãe, da sovinice do pai, do namorado da irmã e do orientador do seu TCC.
E os erros de português, então? É um festival de “menas”, “poblema”, “todoscauso”, “os pessoal”, entre outras expressões, que acabam por ajudar a tornar a viagem mais divertida e provocar até mesmo, talvez, uma reflexão mais profunda sobre os rumos tomados pela  educação em nosso País nos últimos anos.
A cada toque, um barulho diferente a interromper o cochilo, a leitura, o sossego. Com metade do caminho percorrido, prestando bem atenção, a gente consegue ficar íntimo de quase uma dezena de passageiros. A promessa de uma viagem tranquila e agradável dá lugar a uma quase insuportável pressa de chegar logo.
Seja lá qual for o nome que deem os estudiosos a este fenômeno da necessidade que as pessoas têm hoje de aparecer, a questão é que o negócio está incontrolável. As pessoas vivem sob o signo da vaidade e da inveja dissimuladas, e isto é plenamente perceptível nas atitudes, nas roupas, nas postagens das redes sociais, e também nos telefonemas públicos. Tanto quanto o consumismo desenfreado que, pelo jeito, há de pôr fim à nossa espécie, o que salta aos olhos é a nossa mudança de comportamento. Não basta mais somente comprar. Temos que comprar o melhor, o mais caro, o último modelo, e é necessário que o maior número possível de pessoas saiba disso.
Perguntado em uma entrevista sobre se preferia a companhia de pessoas ou de livros, o escritor israelense Amos Oz respondeu que preferia  “livros com pessoas dentro”. Compreensível, claro. Lá, pelo menos, as pessoas não devem falar tanto ao celular.
Em tempo: fiz a viagem com dois celulares no bolso. E um deles só tocou uma vez. Era engano.

Benilson Toniolo

terça-feira, 23 de outubro de 2012

ABERTURA DA EXPOSIÇÃO 130 ANOS DE MONTEIRO LOBATO - Biblioteca Municipal de Campos do Jordão


Falar de Monteiro Lobato se constitui, antes de mais nada, um grande desafio. Ainda mais agora, quando ele volta a ser atacado pela acusação de racismo em função do conto "Negrinha", que abre o livro homônimo. Mesma coisa havia ocorrido em 2010, quanto a 'As Caçadas de Pedrinho'. E eis que, pela segunda vez em aproximadamente sessenta dias, sou convidado a falar sobre o homenageado, desta vez  por ocasião da abertura da Exposição 130 Anos de Lobato, iniciativa da Biblioteca Municipal de Campos do Jordão, que se deu no último dia 15 de outubro.
Fico muito preocupado ao receber um convite deste naipe, sobretudo quando penso em pessoas como Israel Dias Novaes (in memorian), Luiz Ernesto Kawall, Niled Dias Toniolo e Marisa Lajolo, só para falar nos que me são mais próximos, física ou virtualmente falando, e que seriam estas pessoas que abrilhantariam muito mais o evento do que eu. Não é falsa modéstia. É fato. Punto.
Mas vamos lá.
Preparar-se para falar sobre a vida e a obra de Lobato significa, literalmente, mergulhar num oceano que o Google, por exemplo, não alcança -graças a Deus. É necessário ler suas obras, ouvir suas entrevistas (como a que tenho em meu acervo, a última dada por ele em vida ao jornalista Murilo Antunes, da Rádio Record, dois dias antes da morte do escritor, em sua casa paulistana, no ano de 1948, presente do já citado Kawall e que deixei em forma de empréstimo ao pessoal da Biblioteca até o final da Exposição), meditar sobre cada palavra contida em seus contos e artigos, admirar extasiado suas aquarelas e as fotografias que ele próprio tirou quando viveu em Campos do Jordão, na rua Macedo Soares. É necessário ouvir o Edmundo Ferreira da Rocha falar de sua luta pelo resgate deste material iconográfico e da importância dele para o resgate da memória desta Cidade já quase sem memória.



Se Lobato era racista? Pouco se me dá, como dizia Jânio. Confesso que não cheguei a conclusão nenhuma sobre este assunto, e nem pretendo. Considero legítimas as petições dos grupos que defendem os interesses dos afro-brasileiros, como também continuo achando que olhos persecutórios sobre a obra de quem quer que seja costumam produzir resultados dúbios. O próprio conto "Negrinha" mostra um Lobato denunciador das mazelas e do sofrimento dos escravos e seus filhos recém-libertados poucas décadas após a Abolição, e acusador da patroa branca, rica, europeia e católica -que se revela um verdadeiro monstro. A defesa dos cidadãos vítima da escravidão também fica clara nos contos "O Jardineiro Timóteo", "Quero Ajudar o Brasil" e o "Bugio Moqueado". Se querem acusá-lo de racismo, não vai ser através deste livro, e sim através de várias declarações dadas por ele, em entrevistas faladas e escritas onde, em meio a tantas polêmicas, ele dá mostras claras de sua inclinação à eugenia. Portanto, tudo indica que estão acusando o homem certo, pelo livro errado.
Não faço defesa nenhuma de Monteiro Lobato - até porque tratava-se, apesar de um homem extraordinário, de apenas um homem, com todos os vícios e virtudes de nossa condição. 
O que espero é que não esteja em curso uma espécie de "demonização" de sua figura histórica. Ao mesmo tempo, penso que alegar que ele apenas reproduzia o pensamento de sua época é simplificar demais a questão.
Que os acadêmicos, estudiosos e juízes do STF -que é onde o caso foi parar- decidam, portanto, a querela.
Por mim, continuarei admirando o homem e o escritor José Bento Monteiro Lobato, como uma figura que faz uma falta abissal nos conturbados dias de hoje desta Pindorama dada a escândalos e jogos de cena.
Como disse o próprio a Israel Dias Novaes, segundo conferência realizada por este último em nossa Academia de Letras de Campos do Jordão, em 1995, "usei cada tropeço que tive na vida como impulso para voltar a acelerar". Estivesse vivo hoje, diante de uma nova acusação, certamente estaria voltando a acelerar, o nosso José Bento.

        Nossa família reunida na Biblioteca, atenta a ouvir o Edmundo falar de Lobato em Campos do Jordão

Benilson Toniolo

terça-feira, 16 de outubro de 2012

A ALCUNHA DO JOSÉ PONCÍLIO




Deu-se que o José Poncílio, jordanense da gema, filho de mineiros que se estabeleceram para os lados do Recanto Feliz por volta dos anos 1960, certa noite de inverno brabo e geada da graúda na manhã seguinte, bebeu um pouco além da conta no bar do Antonio e resolveu abrir um pouco mais seu coração para os dois amigos recentes que o acompanhavam.
Pinguinha vai, pinguinha vem, narrou-lhes de como sofria quando lhe atingiam determinadas crises diretamente ligadas à sua alimentação desregrada. Ele adorava uma linguicinha, um lombo, uma cachaça, um torresmo, uma galinhazinha bem apimentada, um paio, um salame, e era só abusar de tais iguarias que estava pronto o quadro para a desgraça. Podia contar que, no dia seguinte, a crise vinha. Pronto. Estava feito. Daquele momento em diante, em meio ao sorrisinho maroto dos que o acompanhavam, também mineiros ambos, surgia o apelido que marcaria o infeliz do Poncílio, e que ele detestou logo de primeira audição: Zé Morróida.
Apelido é coisa que, como toda a gente sabe, pega justamente quanto mais a “vítima” se ofende, e faz questão de frisar a ofensa. Quando dá por si, a alcunha já pegou, goste ou não goste o apelidado.
E, não por falta de aviso, teve gente que, na cidade de onde venho, já morreu na ponta de uma faca por chamar o Domício de “Estrupício”. Da mesma forma que chamar nordestino de “baiano”, embora não seja ofensa, demonstra em si um preconceito e uma xenofobia que outra coisa não são do que simples vontade de ofender aquele que veio de longe, e deixar clara sua condição de forasteiro. Agressão gratuita, que acaba por validar o não-raro revide.
Claro que o Poncílio detestou o epíteto. Nem era pra menos. A confiança que, ainda que sob o efeito do álcool, depositara nos dois amigos, se quebrara. Aquilo não era coisa que se fizesse com um companheiro como ele, pai de família, um homem honrado, trabalhador, cumpridor dos seus deveres, e cuja única diversão era tomar um negocinho  no bar do Antonio, acompanhar um joguinho de sinuca ou de truco, jogar conversa fora, ver o movimento. Segredo revelado em balcão de boteco e que acabava virando domínio público, era questão para ser resolvida com derramamento de sangue.
Por isso, tão logo soube do apelido, achou por bem dar uma sumida do mapa. Antes, deixara bem claro a todos que não toleraria falta de respeito para o seu lado. Ora veja.
Passadas três semanas, voltou ao bar. Preparou-se. Mexessem com ele, e reagiria de acordo com o nível da ofensa. Levara a faca na parte de trás da calça, escondida. O lugar estava cheio, se podia ouvir da rua o barulho das bolas de sinuca se chocando umas contra as outras sobre o pano verde. Entrou, arredio. Cumprimentou os presentes, que retribuíram seu “boa-noite”, olharam de rabo de olho. O clima era tenso. Encostou no balcão, de frente para o bilhar, pediu o rabo-de-galo, cara de poucos-amigos, recolhido em seu silêncio,  antena ligada ao menor sinal de desrespeito ou gozação dirigida à sua pessoa.
Passa um tempinho e adentra o estabelecimento o Chico, que além de parceiro de mentirada ainda vinha a ser exatamente seu primo. Mais que isso, menino que o acompanhara desde as épocas de calça curta por estes morros de Campos do Jordão. Parceiro de caçada, de farra, padrinho de um de seus filhos, corintiano que nem ele, chegado num churrasco gordo e muito, mas muito piadista. Perdia o amigo, mas não perdia a oportunidade da piada. Poncílio corou. Era só o que faltava. Não viria seu primo, logo seu primo, fazer referência ao infame apelido, fazê-lo passar vergonha na frente de todo mundo. Logo ele. Logo Chico. Não ficaria desmoralizado. Nem que tivesse que dar uma lição no Chico. Mas logo o Chico?
O primo veio vindo em sua direção, chamando os presentes respectivamente pelo apelido de cada um. Zé-Ruela, Delfim, Zóio-de-Gato, Pedro Careca, Gordo, Roda-Presa, Prexeca, Fura-Prego, Bola Murcha. Poncílio gelava. O primo vinha rindo, olhos fixos nele, o apelido infame latejando em suas têmporas, chegava a ver a hora de puxar da faca e ser obrigado a dar uma lição no primo. Chico, logo você, Chico, meu primo?
Chico se aproximou, deu um abraço em Poncílio, perguntou da família, falou do jogo de sinuca e pediu uma branquinha. Ficou um tempo em silêncio e depois aconselhou o primo:
- Chegou na Cidade um doutor que cura esse negócio aí que você tem. Tá atendendo lá em Abernéssia. Se eu fosse você, ia ver. Aí, parava esse negócio sem graça de Zé-Morróida. Coisa mais besta.
Poncílio concordou. Ia ver, sim. Antes que a coisa piorasse para o lado dele. Virou-se para o balcão e, pelo, pelo não, pediu um tira-gosto.

Benilson Toniolo

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

DIGA-ME O QUE ASSISTES...



Em geral, assisto muito pouco à televisão. Não tenho, confesso,  muita paciência. Tenho meus programinhas preferidos, claro, mas também não é sempre que os assisto. Sempre tenho coisa melhor pra fazer, tanto em casa, quanto fora dela. E depois, a gente vai amadurecendo e começa a ficar meio rabugento, meio implicante, meio exigente, e começa a selecionar melhor as coisas. Não dá pra ficar perdendo muito tempo com porcarias –mesmo quando elas existem nos canais da tevê por assinatura.
Novela, por exemplo. Acho que a última que acompanhei com especial interesse foi a “Belíssima”, que, pelo que me lembro, foi ótima. De lá pra cá, não acompanhei mais nenhuma.
Além do mais -quem tem filhos sabe disso- a gente acaba meio que perdendo o controle do controle. Em casa, para assistir alguma coisa na televisão é preciso fazer algo como um tipo de “reserva de domínio”. Olha, gente, hoje às oito horas vai passar um programa no canal tal, e eu vou ver. Pronto, está anunciada a reserva.  Em geral, dá certo. A turminha lá de casa entende, respeita e acata.
Dia desses, combinei ir à casa de um amigo cumprimentá-lo pela formatura do filho mais velho, que concluíra o curso de Engenharia. Ele me convidou para um vinho, comer alguma coisa, jogar conversa fora, essas  coisas. Fomos, eu e Simone.
A casa do sujeito é grande, com quatro quartos, e muito bem localizada. Na verdade, é um apartamento. Um aparelho de TV em cada cômodo, de forma que, se contarmos os quatro quartos já anunciados, a sala, a cozinha e o quartinho da empregada, estamos falando –pasmem- de sete aparelhos de TV numa casa só.  À hora em que chegamos, por volta das oito da noite, havia três ligadas: a da sala, a do quarto da filha (que se prepara para prestar vestibular para Medicina) e a da cozinha (onde não havia ninguém a assistir). Todas ligadas no mesmo canal.
Até que, em meio à conversa que se estendia sobre a trajetória universitária do novo engenheiro, e entre os agradáveis aperitivos que acompanhavam a referida conversa, fomos convidados a assistir ao episódio daquela noite de Avenida Brasil. Convivas educados que somos, claro, vamos lá, nós não assistimos mas acompanhamos vocês, claro. Nossa anfitriã ainda tentou justificar o insólito convite: “a gente não perde um capítulo”.
Novela, hoje em dia, é um negócio que, mesmo que a gente não assista, acaba sabendo de tudo o que acontece, seja porque todo mundo comenta, seja porque está nas páginas principais dos jornais impressos e nos sites da internet. Então, é como o mosquito da dengue: ninguém pode dizer que está imune.
Mas confesso que me surpreendi. Ô novelinha ruim, moço. É violência da primeira à ultima cena. Pra começar, a personagem Carminha apanha mais que tamborim de escola de samba. Além do quê, sofre de alguma patologia psíquica que exigiria um congresso de profissionais só pra se chegar a um diagnóstico sobre o que se passa naquela cabeça tingida. O Marcelo Novaes dizia ao Cauã Reymond que ele não passa de um “babaca que só faz m...”. Aliás, pela minha contabilidade, a palavra “m...” foi proferida duas vezes na mesma cena. Os termos “vaca”, “vadia” e “vagabunda” também surgiram nos “diálogos”, se é que se pode chamar de diálogo as ofensas e ameaças com  que os personagens se digladiam. As relações amorosas também são um caso à parte: todo mundo pega todo mundo, todo mundo trai todo mundo, e as pessoas só pensam em sacanagem. E o fio condutor da história parece ser descobrir qual dos doze suspeitos assassinará o personagem  Max (que na verdade ainda não morreu), interpretado pelo já citado Marcelo Novaes, um sujeito fortão que nunca passou de um canastrão de marca maior. Canastrão, aliás, é o que não falta na novela das oito, que aliás já há algum tempo começa somente às dez. O Tufão, que até onde eu saiba deveria ser o personagem principal, sequer apareceu no episódio.
Podem me chamar do que quiserem, mas a verdade é que achei a novela em questão uma bela porcaria. Realmente, não sei que tipo de fascínio algo tão mal escrito e tão mal interpretado pode causar nas pessoas. Diga-me o que assistes, e eu te direi quem és.
Acabou a novela, conversamos mais um pouco e constatamos que o vinho estava melhor por ter ficado na geladeira enquanto estávamos defronte à tevê. O neo-engenheiro chegou e o recebemos com efusivos abraços de “parabéns”, o menino agradeceu, entrou no quarto e fez o quê? Ligou a televisão.  Mas não assistiu. Foi só para colaborar com o barulho que os outros aparelhos faziam.
Despedimo-nos e ficamos de nos encontrar novamente, para conversar mais um pouco. De preferência, num domingo, que é dia que não passa novela.
Na volta, conversando com Simone, concluímos que quando pesquisadores quiserem estudar o comportamento da nossa sociedade, nem precisarão procurar muito: basta recorrer ao que assistimos na televisão.
De qualquer forma, me disseram que a nova novela das seis parece que é melhor que a Avenida Brasil. Nem precisaria muito, para chegar a isso. Vou dar uma conferida, qualquer dia desses.

Benilson Toniolo

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

“A INDIFERENÇA É O PESO MORTO DA HISTÓRIA”





Escrevo esta coluna sem saber ainda o resultado das eleições em nossa Cidade –isto, de forma propositada. Fiz questão de fazer este registro sem qualquer tipo de ”interferência” quanto a saber o nome do novo Prefeito, e também aos novos membros da Câmara Municipal. Ou então, para ser mais justo, se houve ou não mudança nas cadeiras, tanto no Executivo, quanto no Legislativo. Decidi escrever, portanto, um dia antes das eleições. Para ser mais exato, no sábado, dia seis de outubro.
A eleição que passou foi uma grande demonstração, da parte do jordanense,  de cidadania e civilidade. Todos, votantes e votados, nos comportamos muito bem. Novos e velhos candidatos se respeitaram e conviveram de forma harmoniosa; velhos caciques (alguns já sem nada mais a oferecer) e jovens promessas (uns com muito a colaborar, outros que encerraram a campanha sem conseguir nem decorar o nome do próprio partido) dividiram o mesmo espaço, apesar das heterogeneidades; o interesse pela política revelou caras novas, que deram um grande exemplo de comprometimento e coragem ao saírem das suas “zona de conforto” e arregaçarem as mangas para construir um futuro melhor para todos.
Sem falar na realização dos debates, fundamentais para que o eleitor conhecesse melhor as opções que lhe eram apresentadas e pudesse abandonar o rol dos indecisos.
Há aspectos a serem melhorados, obviamente, no processo como um todo. O excesso de lixo acumulado pelas ruas e calçadas, a poluição sonora (alvíssaras, senhor promotor, alvíssaras), o triste espetáculo dos seguradores-de-bandeira (será que nesta Cidade não há tarefa mais digna que possa ser oferecida a essa gente?), as “baixarias facebookianas”, e principalmente essa mania que muita gente ainda tem de, a cada eleição, se “pendurar” neste ou naquele candidato na esperança de ganhar um emprego público que lhe dê bom salário e pouco serviço pelos próximos quatro anos, ou enquanto durar o mandato. Aliás, quanto a este assunto, vale uma pergunta: não é muito mais “saudável” estudar e se tornar um profissional de verdade, cuja trajetória independa da vontade das urnas e da prestação continua de favores?
A verdade é que, independentemente de quem tenha vencido a eleição, começou uma nova era em Campos do Jordão. E é neste momento de transição que me vem à mente a figura de um pensador italiano chamado Antonio Gramsci,  de quem conheço muito pouco, mas que tem uma frase que me causa bastante espécie, e que dá título a esta coluna. Segundo ele, “Viver é tomar partido. Não pode haver os apenas homens, estranhos à cidade. Indiferença é paralisia, abulia, não é vida. A indiferença é o peso morto da História”.
Portanto, a experiência que tivemos nesta eleição só terá valido a pena se, seguindo o conselho de Gramsci, deixarmos de ser politicamente indiferentes, e passarmos  a ter uma postura fiscalizadora e crítica quanto ao trabalho que será desenvolvido por aqueles que foram colocados nos principais cargos públicos do Município.
Prefeito não legisla, vereador não tem poder de Secretário Municipal e ambos têm como principal atribuição o papel de representar os interesses do povo e fazer o melhor de seus esforços, pelo menor custo possível, pelo bem dos jordanenses –que, por sua vez, têm por obrigação fiscalizar este trabalho e exigir dos eleitos nada menos que o máximo.
Portanto, chega de oba-oba, de papo-furado, de verborragia.
E não, não vou desejar boa sorte aos eleitos porque, de sorte, nenhum de nós necessita. Vou é recomendar que trabalhem de forma séria, dedicada e honesta, e que honrem cada um dos votos que fizeram com que os senhores chegassem onde chegaram.
Há uma joia maltratada no alto da Serra, esperando para ser cuidada, limpa, lustrada, renovada, para poder voltar a brilhar e encantar o mundo.


Benilson Toniolo

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Minha homenagem a AUTRAN DOURADO


                                 O escritor mineiro, falecido no último dia 30 de setembro



                                        Os livros de Dourado na biblioteca de nossa casa.



Assim diz o Wikipedia: Waldomiro Freitas Autran Dourado, mais conhecido como Autran Dourado (Patos de Minas18 de janeiro de 1926 - Rio de Janeiro30 de setembro de 2012), foi um escritor brasileiro.
Filho de um juiz, passou sua infância em Monte Santo de Minas e São Sebastião do Paraíso, no estado natal, Minas Gerais. Aos 17 anos foi para Belo Horizonte, onde cursou direito, enquanto trabalhava como taquígrafo e jornalista. Formou-se em 1949. Sua segunda obra publicada, Sombra e exílio, de 1950, ganhou o Prêmio Mário Sette do Jornal de Letras. Mudou-se em 1954 para o Rio de Janeiro, onde morou até sua morte, em 2012. Foi secretário de imprensa da República, de 1958 a 1961, no governo Juscelino Kubitschek. Sua primeira obra a ser traduzida para outro idioma foi A Barca dos Homens, que havia sido considerado o melhor livro de 1961 pela União Brasileira de Escritores.
Diversas narrativas se passam na cidade imaginária de Duas Pontes, a maioria narradas pelo personagem João da Fonseca Ribeiro, formando um conjunto em que as gerações da família Honório Cota se sucedem, transitando entre os séculos do apogeu da mineração ouro até os dias de hoje. Outras estão ambientadas em cidades reais da Minas Gerais atual e de outras épocas; uma exceção é A barca dos homens, ambientada numa ilha do sul do Brasil. Uma espécie de Comédia Humana que mostra a decadência das classes abastadas desde o século XVII.
Também publicou ensaios sobre teoria literária, onde expõe seu processo pessoal de produção, traço praticamente único entre os grandes escritores. Autran Dourado também já deixou um livro de memórias, Gaiola aberta, onde aborda seu trabalho no governo de JK.
Ganhou vários prêmios literários, entre eles o Prémio Camões, em 2000. Seu romance mais célebre é Ópera dos Mortos, incluída na seleção de obras representativas da literatura universal, feita pela Unesco. Sua obra predileta é a novela Uma vida em segredo, adaptada posteriormente para o cinema. Outras obras importantes são A barca dos homensO risco do bordadoOs sinos da agonia e As Imaginações pecaminosas
Faleceu no dia 30 de setembro de 2012 no Rio de Janeiro, aos 86 anos.


Benilson Toniolo

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

TRÂNSITO: A NOVA TORTURA JORDANENSE

Publicado no jornal O Povo, de 27 de setembro de 2012

           


A cada quinze dias, dezenas de novos condutores de motocicletas e automóveis são lançados nas ruas da Cidade. Acrescentem-se a isso as facilidades encontradas hoje em dia para aquisição de veículos, a tão celebrada ascensão da chamada “classe média” e a inércia do poder público em procurar alternativas para escoar tantos veículos novos adquiridos por condutores novos e velhos, e pronto: está armado um dos maiores transtornos do dia-a-dia do jordanense -o trânsito.
Recentemente, ao me dirigir ao Capivari para o lançamento do meu último livro, saí da Vila Albertina e, entrando na avenida, por volta de 18:30h, me impressionei com a quantidade de veículos vindos de ambos os lados da pista. Por se tratar de uma sexta-feira, fiquei feliz com o movimento e pensei: “a cidade está cheia”. Afinal, o trânsito se estendia até quase o Jaguaribe. A questão é que, ao chegar no Capivari, fiquei surpreso ao ver que as ruas estavam vazias, idem as lojas e os restaurantes. Pouquíssimos turistas. Logo, não foi difícil concluir que o movimento que vi quando saí de casa não era de visitantes que chegavam. Eram os jordanenses que se locomoviam pela Cidade.
Não estou falando nenhuma novidade. Não deve haver cidadão que viva nesta Cidade que não tenha reparado o absurdo que está se tornando nosso trânsito. Ainda que tenhamos o excelente hábito de respeitar a faixa de pedestres, só isso ainda é muito pouco. Mesmo porque, além de haver inúmeros pedestres que não respeitam a referida faixa há ainda os que, ao invés de atravessar, preferem desfilar sobre ela. E há várias –e excelentes- faixas de pedestres em nossas ruas.
Convencionou-se que não é obrigatório o uso da seta para conversões. Ou seja, o motorista que vem logo atrás fica obrigado a desenvolver sua capacidade de adivinhação. Se houver uma colisão, a culpa não é de quem não acionou a seta, e sim do outro, que não previu que haveria uma conversão à sua frente.
Caminhões pela esquerda, no meio da avenida principal, a qualquer hora do dia. Geralmente, mais de um na mesma via, ao mesmo tempo, em velocidade claramente acima do ideal. Quem estiver na calçada deve se segurar, senão cai, tamanho o impacto dos gigantescos veículos de carga sobre a malha viária.
Ciclistas fora da ciclovia (ocupadas por pedestres) transitando na contra-mão, trocando de faixa sem ao menos sinalizar ou mesmo verificar quem vem atrás.
Filas duplas e triplas, ultrapassagens pela direita, carros lentos na esquerda, transitando com o pisca-alerta acionado, com os faróis apagados, estacionados em locais exclusivos para idosos ou portadores de necessidades especiais, sobre as calçadas, obrigando crianças, idosos e carrinhos de bebê a transitar pelo meio da rua. A buzina, ao invés de ser utilizada para prevenir acidentes, serve para cumprimentar amigos e conhecidos.
Pais de família são arrancados de dentro de seus carros e espancados na frente dos filhos pequenos por “lutadores” destemperados e irritadinhos.
As pessoas se xingam, se ofendem, apontam os dedos, se ameaçam, se desrespeitam e seguem em frente, pouco ligando se este ato estragará ou não o dia dos outros. Porque sim, ainda há gente que se aborrece ao ser ofendido sem razão.
Em um quadro como este, é evidente que aumente o número de acidentes, e consequentemente de mortos e feridos.
Os exemplos, infelizmente, são inúmeros –tudo porque falta rua pra tanto carro.
E o que mais incomoda é saber que o poder público, que é quem deveria resolver os problemas da Cidade, mais uma vez dá uma demonstração de indiferença e pouco-caso.
Outra má notícia: salvo engano, não há entre os candidatos a prefeito nenhum projeto de solução para este problema, assim como parece não haver também para a saúde, para a educação, para a cultura, para a segurança. As “propostas” que ouvi, tanto nos programas de rádio quanto nos próprios debates realizados, não passam de mera retórica e jogo de palavras vazias, o que é típico de períodos eleitorais como este em que estamos vivendo.
Se sou pessimista? Creio que não. Só não consigo enxergar, talvez até por desconhecimento técnico, alguma proposta plausível a curto prazo para que jordanenses e turistas voltem a usufruir de um trânsito mais humano, mais equilibrado e menos caótico.
Acho que não é pedir demais.

Benilson Toniolo