Benilson Toniolo
Chama-se Damiana e apresentou-se
como a nova garçonete da pastelaria que freqüentamos
em Abernéssia. Baixinha, morena, jovem ainda. Vinte e dois, vinte e três anos. Nordestina,
que nessas adivinhações raramente me engano. Só não sabia de onde, nem quis
perguntar. Cantarolava baixinho, ares de boa gente, recém-chegada à cidade.
Acabada a rodada de pastel,
pedi uma tapioca.
- O senhor quer de quê?
Pedi a de sempre. Coco com
leite condensado. Passado um tempinho, me trouxe na cestinha.
- É assim que o senhor quer?
Respondi com um sorriso.
- Não é a que se come na
Paraíba, mas tá bom.
Ela ampliou um sorriso maior
que o tamanho da tapioca.
- O senhor é da Paraíba, é?
- Não, mas morei lá por dois
anos. João Pessoa. Conhece?
- Conheço não. Nunca fui na
Paraíba.
- Você é de onde?
- Pernambuco.
- Que lugar?
- O senhor conhece Pernambuco?
- Morei lá perto, como disse.
Conheço um pouco. De qual cidade você é?
- Goiana.
- Então, quando a gente sai da
Paraíba pra Pernambuco, passa em Goiana. Faz tempo que você veio pra cá?
- Faz não. Faz dois meses.
- E está gostando?
- Aqui é bom. Mas não sei...
- Está estranhando? Muito
frio?
- Tem o frio, sim, mas não é
isso.
- O que é, então?
- É que aqui é esquisito, moço.
Diferente de lá.
- Bom, diferente é, mesmo. Você
mora com quem aqui?
- Sozinha.
- E veio fazer o quê, aqui?
- Ah, vim porque disseram que
era bom. Aí eu vim. Lá não tinha emprego, não tinha nada. Aí eu vim. Mas não
sei.
- Você é casada?
- Não.
- Tem filhos?
- Não.
- Nem lá, em Goiana?
- Tenho não. Tinha um
paquerinha, só.
- E seus pais? São vivos?
Damiana deixa de sorrir. Baixa
os olhos e, com os dedos indicador e polegar de ambas as mãos, começa a enrolar
a ponta do avental. Nervosa, começa a chorar.
- Eu tenho muita saudade
deles, moço. Muita saudade.
- E você fala com eles?
- De vez em quando eu
telefono. Eles não usam computador, senão eu ia numa lan-house e falava com
eles pela internet. Mas eles não sabem usar, e não é sempre que meus irmãos
estão em casa pra ligar o computador e ajudarem eles a falar comigo. Então eu
telefono. Olha, o número do meu celular ainda é de lá.
- Quais são seus planos aqui?
- Queria estudar, arrumar um
emprego, crescer na vida.
- E lá não dá pra fazer isso?
- Lá não tem quase emprego
não. Mas também, ficar aqui e ganhar tão pouquinho como eu ganho aqui...
- Este é seu primeiro emprego
na cidade?
- É, sim. Foi fácil arranjar.
No primeiro dia que saí procurando já arranjei este aqui. Aqui é bom, o pessoal
que vem aqui é educado, trata bem à gente.
Faz um mês só, que estou aqui. Já registraram em carteira, já está tudo
certinho.
Ela sorri, dá as costas, volta
para perto do caixa e limpa o rosto com as costas de uma das mãos. Em breve
para de chorar, volta a sorrir, mas de forma mais tímida. É simpática. Feiosa e
simpática.
Peço a conta, ela traz, vou ao caixa tratar do pagamento da despesa.
Saio e, na calçada, me dirijo novamente a ela.
- Faz o seguinte, menina. Vai
embora. Vai ficar do lado dos teus pais. Aproveita enquanto ainda estão vivos. Volta pra tua casa, pra tua gente, pro teu
povo. Não fica aqui, não. Fica do lado deles. Ninguém merece ficar separado de quem gosta, principalmente de pai e de mãe. Dá esse presente pra eles, e pra você também. Se um dia você quiser voltar para cá, para esta cidade, você volta. Mas agora, não. Agora você tem que voltar para o lado do teu pai e da tua mãe.
Ela sorriu de novo e voltou a
armazenar água no canto dos olhos. Balbuciou:
- Eles aqui chamam a gente de baiano. A gente não é baiano. Não temos nada contra baiano, não, mas a gente não é baiano. E eles falam de um jeito com a gente, moço...
- Eles aqui chamam a gente de baiano. A gente não é baiano. Não temos nada contra baiano, não, mas a gente não é baiano. E eles falam de um jeito com a gente, moço...
Nunca mais perguntei por
Damiana. E cada vez que entro na pastelaria me sinto reconfortado ao ver que
ela não está mais ali.