sexta-feira, 24 de agosto de 2012


MONTEIRO LOBATO E A EDUCAÇÃO
ENTREGA DO PRÊMIO MONTEIRO LOBATO DE REDAÇÃO
ACADEMIA DE LETRAS DE CAMPOS DO JORDÃO – 18/08/2012



Quando nos reunimos, ainda na gestão do dr Maynard Góes, para definir as ações de nossa Academia para o ano de 2012, e pensarmos o que seria feito junto aos estudantes jordanenses, nos ocorreu o fato de que neste ano seria comemorado os 130 anos de nascimento de um dos mais representativos nomes da vida brasileira -não só do Vale do Paraíba e não só da Literatura, mas um homem de absoluta relevância no que diz respeito ao mundo das Artes, da política, do empreendedorismo, do Direito e de tantos outros segmentos da sociedade deste País. Um homem cuja trajetória acaba por se enraizar na própria História do Brasil -pois não é possível falar do Brasil, da História do Brasil, sem falar de Monteiro Lobato. Então, depois da realização do Prêmio Iracema Abrantes de Poesia, que foi um grande sucesso, no ano passado, decidimos por elevar um pouquinho o grau de exigência junto aos nossos estudantes e lançamos o Prêmio Monteiro Lobato de Redação, ocasião em que homenageamos o grande taubateano que tão profundas relações manteve durante sua vida com Campos do Jordão, no ano de comemoração dos seus centro e trinta anos de nascimento, e damos continuidade a um dos principais compromissos para com nossa Cidade, que é a de estimular a pesquisa,  a criação,  desenvolver o gosto pelo estudo, o reconhecimento dos grandes nomes da cena brasileira, entender, através do estudo de sua vida, quais foram os caminhos que nos trouxeram até este momento. Concluo que fomos bem sucedidos, apesar da diferença brutal de participantes entre o ano passado, quando 165 alunos participaram, e este ano, quando apenas 44 acabaram tomando parte.
Mas o aparente baixo índice de adesões ao Concurso tem uma explicação. Quando, findo o prazo de inscrições, entramos em contato com as escolas para saber da quantidade de trabalhos concorrentes, ouvimos da maioria dos professores e diretores as desculpas mais absurdas, mais impensáveis, mais estarrecedoras. "Não me identifiquei com a proposta". "Estamos envolvidos em outro projeto". Ou a pior de todas elas: "Os alunos não tiveram interesse, não quiseram participar".  Eu, que mantenho uma coluna em um jornal da cidade que trata exatamente de Educação, ainda que não seja professor nem pedagogo, adicionei aos meus conhecimentos um novo conceito: grande parte da responsabilidade pela penúria em que se encontra nossa Educação é, sim, dos professores. Do Estado, claro. Dos pais, sem dúvida. Das propostas pedagógicas, que não conseguem acompanhar o desenvolvimento dos recursos que a sociedade atual disponibiliza aos nosso jovens. Mas, é triste concluir que grande parte da responsabilidade é dos professores. Porque um professor que com a maior desfaçatez responde para uma Academia de Letras que seus alunos não tomaram parte de um concurso sobre a vida e a obra de Monteiro Lobato porque ele, professor, "não se identificou com a proposta", ou "porque os alunos não quiseram", é sinal de que a Educação brasileira se encontra no fundo do poço.
Mas como diz o poeta Joca Renors Terron, "do fundo do poço também se vê a lua". E aqui estamos nós, reunidos neste novo espaço, para receber os alunos de cinco escolas, três públicas e duas particulares, para proceder a premiação do nosso concurso. Cinco escolas que serão homenageadas juntamente com seus alunos, que acreditaram na nossa proposta, estimularam e auxiliaram seus alunos para que fossem em busca de informações sobre nosso Lobato e tomassem parte no concurso. De forma que antes de falar um pouco sobre a vida e a obra de Lobato, eu queria pedir que todos aplaudíssemos as escolas Laurinda da Matta, Dora Lygia, Tancredo Neves, Irene Lopes Sodré e Univap, aqui representadas, por terem acreditado e prestigiado nossa iniciativa.
Para abrir a cerimônia de premiação do nosso certame, achei por bem escolher o tema "Educação" por três motivos, além do fascínio que este tema provoca em mim e pelo fato de que a grande maioria de nossos Acadêmicos ser oriunda do Magistério. O primeiro é que o nome de Monteiro Lobato esteve em grande evidência há cerca de dois anos atrás, quando o Ministério da Educação retirou das estantes o livro "Caçadas de Pedrinho", por entenderem os burocratas que o livro continha uma inequívoca declaração de preconceito racial em determinados momentos da narrativa, notadamente àquele em que o protagonista Pedrinho diz que a Tia Nastácia "sobe em árvores como uma macaca".  Esquecem os burocratas do Governo de duas questões: primeiro, que o personagem principal é uma criança que para se comunicar faz uso de um vocabulário próprio de sua idade, com toda a pureza e malícia que a caracterizam; segundo, que se formos nos dirigir com olhos persecutórios à obra dos grandes nomes da nossa literatura, seguramente encontraremos demonstrações dos mais diversos tipos de preconceito em suas obras. Seria como acusar Graciliano Ramos de maus tratos aos animais pelo fato de a cachorra Baleia morrer durante o desenrolar de Vidas Secas.
O segundo motivo é que a maioria de nosso público nesta tarde é formado por professores e estudantes, envolvidos diretamente com a Educação e que, indubitavelmente, poderão agregar um número muito maior de informações e observações que hão de enriquecer o tema.
E o terceiro é tentar não apenas saber quem foi Monteiro Lobato, mas principalmente tentar identificar através de sua vida e obra qual seu legado, qual sua contribuição para o momento que a Educação vive hoje no Brasil, uma vez que todos representamos, hoje, o futuro a que tanto se referiu o escritor.
José Renato Monteiro Lobato nasceu em Taubaté em 18 de abril de 1892. Anos mais tarde, para poder usar uma bengala que pertencera a seu pai José Bento e onde constava a inscrição das iniciais JBML, muda seu nome para o mesmo do pai, passando a chamar então José Bento Monteiro Lobato.
Ainda  criança, variava seu tempo entre as brincadeiras com as irmãs Ester e Judite e a leitura dos livros que compunham a grande biblioteca do avô, o Visconde de Tremembé.
É alfabetizado por sua mãe, dona Olímpia Augusta, e aos sete anos entra para a Escola. Com quatorze anos, vai estudar em S. Paulo. Perde o pai aos quinze e a mãe aos dezesseis anos. Aos dezoito, por imposição do avô Visconde, entra na Faculdade de Direito, mas o que ele queria mesmo era estudar Belas-Artes. Durante toda a sua vida de estudante, manteve ativa participação na criação e colaboração com jornais e demais publicações que surgiam, primeiro no colégio, e depois na Faculdade. Forma-se em Direito em 1907 e é nomeado promotor na cidade de Areias. Em 1908, portanto com 26 anos, casa-se com Maria Pureza da Natividade, a dona Purezinha, com quem teve os filhos Edgar, Guilherme, Marta e Rute.
Guilherme e Edgar, com tuberculose, chegam a viver em Campos do Jordão, mas não sobrevivem. Guilherme faleceria em 1938, em S. Paulo, e Edgar em Tremembé, em 1943.
Mas antes disso, em 1911, a morte do seu avô faz com que herde a fazenda Buquira, deixando de exercer o Direito para se dedicar à atividade de fazendeiro. Contumaz colaborador dos jornais A Tribuna de Santos e O Estado de São Paulo, é nesta condição que passa a atacar ferozmente a figura do caipira paulista através de um artigo publicado, em que nominava o caipira paulista como Jeca-Tatu, atacando ferozmente a preguiça e a falta de esforço do caboclo, inconformado com o que vê em sua fazenda e nos arredores, e taxa o caipira como uma praga que impede o desenvolvimento do Brasil. Este artigo gera grande polêmica, lançando pela primeira vez o nome de Lobato aos mais altos níveis de discussão, com argumentos contrários e outros a favor. A imagem do Jeca resiste até hoje no imaginário e nos ditames populares.
Diz Lobato no livro Urupês, coletânea de contos publicada pela primeira vez em 1918: "No meio da natureza brasílica, tão rica de formas e cores, onde os ipês floridos derramam feitiços no ambiente e a infolhescência dos cedros, às primeiras chuvas de setembro, abre a dança dos tangarás; onde há abelhas de sol, esmeraldas vivas, cigarras, sabiás, luz, cor, perfume, vida dionisiaca em escachôo permanente, o caboclo é o sombrio urupê de pau podre a modorrar silencioso no recesso das grotas. Só ele não fala, não canta, não ri, não ama. Só ele, no meio de tanta vida, não vive...". Neste momento, já distante da Fazenda e radicado em S. Paulo, como veremos adiante, Monteiro pede perdão ao Jeca, pois na época em que escreveu o artigo desconhecia que as características ruins do caboclo derivavam, na verdade, de graves doenças que o precário sistema de saúde brasileiro não conseguiam erradicar, e que dizimavam e inutilizavam a força dos pobres sertanejos.  
Diante das dificuldades e da intensidade das geadas características da região, em 1917 Lobato vende a fazenda que herdara do avô e transfere-se para S. Paulo, onde compra  a Editora "Revista do Brasil" e muda seu nome para "Monteiro Lobato e Cia", onde passa a publicar seus próprios livros, estreando com o já citado Urupês. Este é um momento histórico na cena brasileira, pois até ali todos os livros produzidos no Brasil eram impressos em Portugal. A Editora se transformaria depois na Companhia Editora Nacional. A partir de 1921 passa a se dedicar à literatura infantil, à qual se dedicará de forma mais enfática a partir de 1943.
Em 1930, em um momento conturbado da cena política brasileira, é escolhido pelo presidente de S. Paulo Júlio Prestes adido cultural em Nova Iorque, cargo do qual é destituído no ano seguinte. Ao voltar dos Estados Unidos, entusiasmado com o que viu e certo das potencialidades de seu país, passa a defender de forma contundente a exploração de ferro e petróleo em solo brasileiro. Esta luta o deixará pobre, doente e desgostoso, pois será perseguido, preso e fortemente criticado por suas declarações em contrário, quando defendia que somente a descoberta e exploração de riquezas no solo brasileiro fariam com que o povo tivesse um padrão de vida à altura de suas necessidades.
Já mortos os filhos Guilherme e Edgar, funda em 1943 a Editora Brasiliense, onde publica "A Menina do Narizinho Arrebitado", iniciando aí a grande saga do Sítio do Pica-Pau Amarelo, obra que entraria para o rol de maior obra infantil da literatura brasileira, e uma das maiores do mundo. Com seus célebres personagens Pedrinho e Narizinho (que respeitam os mais velhos, são curiosos, inventivos, confiantes e estudioso), Dona Benta (que alguns refutam como o alter-ego do autor, apesar de a maioria entender tratar-se este de Emília), Tia Nastácia e Tio Barnabé (que representam a pureza, a sabedoria e a força de trabalho dos afro-brasileiros recém-saídos da escravidão), Visconde de Sabugosa (um leitor contumaz e uma ácida crítica aos que creem em tudo o que leem) e a inesquecível boneca Emília, que diz tudo o que pensa e que se vê no direito de modificar no mundo aquilo que, segundo ela, está errado ou fora do lugar.
Poderia dizer muito mais a respeito deste grande homem. Poderia dizer que rejeitou o convite da Academia Brasileira de Letras, dizendo que só aceitaria o convite quando pusessem fora de lá, a pontapés, o Presidente Getúlio Vargas, conhecido então como o "Pai dos Trabalhadores do Brasil". Poderia dizer que suas obras foram traduzidas para inúmeros idiomas. Poderia dizer que viveu em uma casa na rua Macedo Soares, aqui mesmo em Campos do Jordão, durante a enfermidade do filho Guilherme, e que no lugar deste imóvel hoje existem uma casa de móveis e uma loja de chocolates, e não há no local nenhuma referência ao seu ilustre morador. Que seu enterro no Cemitério da Consolação, em julho de 1948,  reuniu uma multidão poucas vezes vista em eventos desta natureza, sobretudo se levarmos em conta tratar-se do féretro de um escritor vítima de derrame cerebral. Que acolheu e apadrinhou o talento singular de um sergipano de nome Paulo Dantas, então tuberculoso, membro desta Academia de Letras, que por sua vez descobriu a poesia de Mauro Valle, que é considerado hoje um dos grandes poetas do cenário literário brasileiro, e autor -ele, Dantas-  de uma pérola literária inigualável, o romance " Purgatório", que se iguala em qualidade aos grandes romances regionalistas do Nordeste, digno de figurar ao lado de um José Lins do Rego, de um José Américo de Almeida, de uma Raquel de Queiroz, de um Graciliano Ramos.
De forma muito sucinta, pois que a vida e a obra de Lobato, como já disse, não podem ser abordadas integralmente em um tempo tão exíguo como este, esta foi a trajetória deste que foi, mais que um escritor, um raro espécime da raça humana, um brasileiro que deveria encher de orgulho e admiração todos aqueles que tiveram o privilégio de nascer neste chão  -digo deveria, porque infelizmente fora dos meios culturais e acadêmicos quase não se ouve falar em seu nome.
Mas minha proposta, ao adentrar a parte final de minha primeira participação nesta tarde, é falar sobre a importância que representa a obra de Monteiro Lobato para a Educação. Qual sua importância? Qual a contribuição? Qual o legado deixado por ele para as gerações futuras?
Edgard Cavalheiro, escritor e amigo, que entre coisas foi o criador do Prêmio Jabuti, relata em seu livro "Monteiro Lobato – Vida e Obra", de 1955, uma passagem que sintetiza sobremaneira a importância que Lobato dava às crianças: 'No fundo de uma cama, convalescendo de grave enfermidade, está um menino. Cansado, desanimado, infeliz. Batem à porta. É o carteiro. Trazem-lhe um envelope. Abre-o inquieto. Os olhos arregalam-se de espanto. Um sorriso aflora em seus lábios tristes. 'Mamãe, mamãe, veja, é de Monteiro Lobato, ele respondeu à minha carta...' E a mãe, comovida, envia uma outra carta ao escritor: 'Com os agradecimentos à carta que V. Exa. se dignou enviar ao meu filho Lindberg, dou-lhe a notícia de que a missiva veio concorrer enormemente para a sua cura. Diz ele que foi um dos dias mais felizes de sua vida. Muito obrigado'.
Um homem que dizia que gostaria de escrever livros "onde as crianças pudessem morar dentro deles", que perde dois filhos já moços, mas ainda na flor da idade, e que já quase sem esperanças nos homens passa a se dirigir às crianças através de seus livros e de cartas, por enxergar nelas "a humanidade do amanhã. Educá-las passa a ser, nas próximas décadas, assuntos fundamental e de intensa preocupação entre os homens", segundo suas próprias palavras.
Lobato via a construção do conhecimento como um processo de elaboração pessoal, ou seja, quando o aluno aprende um  conteúdo, um conceito, resolve problemas, adquire normas de comportamento e valores e é capaz de estabelecer relações entre o que aprende e o que conhece. Através do professor, a criança é capaz de construir significados através de sua experiência, dos conteúdos de aprendizagem e do professor. Segundo ele, havia duas correntes na educação que acabavam por "travar"  o sistema educacional. A primeira que considerava a criança como um homenzinho em miniatura e a tratava como tal, o que acabou por gerar uma série de livros didáticos de cunho moral que acabaram rejeitados pelos próprios alunos. A segunda, da qual Lobato era partidário, procurava tratar a criança como um ser humano com pouca ou quase nenhuma característica do adulto que viria  a ser, para quem seria necessária a aplicação de uma carga de conhecimento especialmente pensado para suas necessidades futuras.
Lobato revelou-se ainda um grande admirador do educador, jurista e escritor baiano Anísio Teixeira, um dos principais difusores do movimento Escola Nova, que defendia entre outras coisas a gratuidade do ensino público laico e a necessidade de implantação de experiências críticas em sala de aula. Ambos trocaram cartas e Lobato chegou a pedir a Anísio opiniões sobre o livro Emília no País da Gramática, que lançou em . Anísio entende esta obra como a abertura de uma nova metodologia genuinamente brasileira, abrindo as porteiras do conhecimento de uma forma lúdica, dialógica e encantadora.
A obra de Lobato passa a fazer parte do conteúdo didático brasileiro, com tiragens iniciais de 20.000 exemplares, e a troca de correspondência entre ele e as crianças se acentua. O escritor chega a aproveitar as sugestões e críticas de seus leitores para dar andamento a novos projetos e publicações. Monteiro Lobato passa a ser o porta-voz das crianças brasileiras. Exemplo de um artigo publicado em jornal da época: "Que vergonha! Uma escola da Prefeitura do Distrito Federal onde falta gabinete dentário. Vergonha das vergonhas. É uma Prefeitura amiga da Cárie! Querem vocês que eu contribua com livros. Pois não. Vou mandar uma caixa de fósforos para vocês porem fogo nessa escola da Prefeitura. Venham todos brincar no Sítio do Picapau Amarelo."
No livro "Emília no País da Gramática", Lobato tenta fazer com que as crianças aprendam a gramática da Língua Portuguesa através de histórias vividas pelos personagens do Sítio. Lobato desejava que as crianças entendessem de forma lúdica e prática os fenômenos da linguagem. Apesar da boa aceitação da obra, alguns educadores, como a poetisa Cecília Meireles, teceram críticas. Cecília escreveu em sua coluna no jornal Diário de Notícias, em 1943: "Os livros de Lobato são muito engraçados, divertidos, mas seus personagens são tudo o que há de malcriado e detestável no território da infância. Seus livros estão em desacordo com o moderno espírito da educação". Vale lembrar que Cecília fazia parte do grupo de Anísio Teixeira,  e que defendia abertamente que "os interesses da criança devem ser a fonte de inspiração das atividades escolares".
O que fez Lobato diante da crítica da consagrada poetisa e educadora? Desenvolveu um diálogo entre emília e Dona Benta:
- Emília, as professoras e os pedagogos vivem condenando esse seu modo de falar. Já por vezes tenho pedido a você que seja mais educada na linguagem.
- Dona Benta, a senhora me perdoe, mas quem nasce torto, tarde ou nunca se endireita. Nasci torta, sou uma besteira da natureza -culpa dessa negra beiçuda que me fez. E, portanto, ou falo como quero ou calo-me. Isso de falar como as professoras mandam, que fique para Narizinho.
O papel de Emília é o de "libertar" a criança. Sua presença está centrada no diálogo, em que há o direito à voz, à livre expressão, à criação e à participação.
Fico imaginando o que se passaria na cabeça de Monteiro Lobato ao ver o Brasil de hoje, ao ver o pré-sal, as descobertas das jazidas de gás, o Brasil emprestando dinheiro aos países europeus para salvá-los da bancarrota, um presidente negro nos Estados Unidos, a abertura dos portos, o Brasil prestes a ser reconhecido pelo mundo como potência graças exclusivamente ao trabalho árduo e ininterrupto de sua gente.
Só não consigo imaginar o que Lobato diria, ou faria, ao ver o que sucedeu à Educação do País. O que diria Lobato de nossas crianças, e dos professores que lutam, com baixos salários, sofrendo agressões, ameaças, das escolas onde imperam o tráfico, o crime e o abandono? O que pensaria de Lobato ao ouvir de um educador dizer que seus alunos não participaram de um concurso de Redação porque ele, o professor, "não se envolveu com a proposta"? Nunca o nosso País, que Lobato tanto amou, precisou tanto de coragem, de disciplina, de criatividade, de empreendedorismo, de honradez, de civismo, de amor, de talento. Nunca, como hoje, o Brasil precisou tanto de um homem como Monteiro Lobato.


Benilson Toniolo      

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

PALESTRA SOBRE JORGE AMADO NA BIBLIOTECA MUNICIPAL DE CAMPOS DO JORDÃO, 06/08/2012 (ABERTURA DA EXPOSIÇÃO SOBRE O CENTENÁRIO DO ESCRITOR BAIANO)



MINHA EXPERIÊNCIA COM JORGE AMADO: DA AVERSÃO À CONVERSÃO

Gostaria primeiramente de agradecer imensamente o convite feito pela Biblioteca Municipal, na pessoa do Professor Sérgio Asquenazi e também do nosso amigo Carlos Abreu, ambos grandes -e históricos- entusiastas da cultura jordanense, para estar aqui nesta noite e falar um pouqinho sobre este escritor baiano cuja vida e obra se confundem com a prória trajetória cultural brasileira. Vou tentar aqui fazer uma breve reflexão acerca do autor e de minha experiência pessoal, como leitor e escritor, sobre ele.
Segundo a máxima de Borges, o que o escritor lê é mais importante do que escreve, porque ele lê o que gosta mas só consegue escrever aquilo que consegue. Portanto, podemos entender que o escritor, assim como todo artista, é refém de suas próprias limitações. Por outro lado, Schopenhauer dizia que o homem que lê o dia todo, ou durante muitas horas, e nos intervalos da leitura investe seu tempo em ações e pensamentos ordinários, triviais, sem uma reflexão crítica sobre aquilo que foi lido, acaba por perder a capacidade de pensar por conta própria, passando então à condição retratada pelo próprio Schopenhauer de pessoas que ficaram estúpidas de tanto ler.
Digo isto porque a leitura de um autor como este que retratamos hoje requer, do leitor, mais do que a trivial concentração, um envolvimento, uma capacidade de alteridade que extrapola sua condição de mero leitor e faz com que este passe a interagir com a obra. Sem conseguir vislumbrar mentalmente o ambiente onde a trama se desenrola, sem que se consiga extrair da rica prosa amadiana os cheiros, sem que sinta o perfume das mulheres, o frescor da brisa marinha, sem que se tome partido nas incontáveis discussões e batalhas pela posse da terra, pela posse da mulher amada, pela posse do direito de se estar vivo, sem tomar parte da trama não somente como espectador, mas como um quase-personagem, é impossível sentir -a palavra certa é exatamente esta, sentir- a riqueza imensurável que emana do universo de Jorge Amado. A leitura de um livro de Jorge, mais do que dedicação, requer cumplicidade e diálogo -do contrário, se trata de perda de tempo e de energia. O universo proposto pelo autor em suas obras requerda perte do leitor que ele compartilhe com os personagens o choro, o gozo, a indignação, a dor, a esperança, o ressentimento. A experiência de leitura de um livrio de Jorge Amado, quer se deseje ou não, marca a vida do leitor.
Por isso a evocação que fiz no início. Não se trata de mera leitura, por distração ou entretenimento. Trata-se, antes, de descobrir -ou redescobrir, ou revisitar- um universo por enquanto inigualável de recursos imaginários por parte do autor, que consegue obrigar o leitor a tomar partido em relação à sua obra. Ou se ama, ou se detesta a obra de Jorge Amado. Uma vez havido o contato, é absolutamente impossível manter-se a neutralidade, o alheamento ou a indiferença com relação à sua obra -mesmo os livros da chamada "fase final" de sua carreira, como "A Descoberta da América pelos Turcos", escrita sob encomenda em 1992 para comemorar os 500 anos de descobrimento do continente e que revela um autor despojado de qualquer pudor linguístico ou comprometimento ideológico que sempre o caracterizaram, como também "Farda, Fardão, Camisola de Dormir", ficção que narra um momento de sucessão na Academia Brasileira de Letras.
Durante muito tempo, alimentei uma certa resistência com relação a Jorge Amado. Sempre ouvia falar dele como o escritor brasileiro mais admirado no mundo, tendo suas obras traduzidas para inúmeros idiomas, muito admirado na França, na Rússia, em Portugal... as adaptações feitas para a TV de alguns de seus livros, aquela coisa da Gabriela, da Dona Flor, eu acabava tendo a impressão que no fundo se tratava de um autor "encomendado", "protegido" pela Globo para a divulgação do produto brasileiro, eu via Jorge Amado e sua obra como uma criação da televisão para exportação, ou seja, no fundo me parecia que a obra de Jorge só tinha como fim ser produto de enriquecimento da Globo, que representava o poder, então por conseguinte Jorge Amado para mim era um subterfúgio encontrado pelo stablishment para tentar convencer o mundo de que yes, nós temos literatura.
Isso remonta ao tempo em que me iniciava como leitor e começava a me envolver com os artistas e escritores da minha cidade. Por ingenuidade ou pela osmose que caracteriza grande parte do conhecimento que adquirimos em determinada época de nossas vidas, passei a incorporar, por assim dizer, parte da antipatia que Jorge Amado gerava nos intelectualóides com os quais eu convivia. Com um detalhe: eu nunca havia posto os olhos em um texto de Jorge Amado. Tereza Batista Cansada de Guerra, Tenda dos Milagres, aqueles batuques e atabaques, os terreiros de cadomblé, a sexualidade exacerbada, tudo isso me era mostrado através da televisão, que eu condenava por entendê-la instrumento de alienação popular e construção de mitos. Época da eleição de Collor, e eu contava 21 anos.
Vagando pelos sebos de minha cidade, sempore encontrava coleções inteiras das obras de Jorge. Inteiras. Páginas e páginas daquilo que, para mim, tratavam do mesmo assunto, o cacau, as mulheres (mais notadamente as prostitutas), a luta de classes do sul da Bahia. Nunca mudava de assunto. E se estavam no sebo, é porque para os compradores daquelas obras não valia a pena mantê-las em suas estantes. Eu tinha razão: Jorge Amado não passava de uma invenção do governo para dizer ao mundo que o Brasil também era capaz de produzir escritores.
Mas, como disse Fernando Sabino, "o homem é um bicho que passa a vida a conversar consigo mesmo. O bom de envelhecer é justamente esse: a conversa vai ficando mais interessante". 
O tempo passou e, no meu caso, a conversa se desenvolveu de forma muito agradável. Por coincidência ou providência, comecei minha aventura nos livros de Jorge com " Capitães da Areia", a fantástica história dos meninos abandonados da Bahia, sua vida, sua trajetória de miséria, sua condição de penúria e completo abandono, seus crimes, a descoberta do sexo e da violência que, muitas vezes, ocorre simultaneamente. Uma narrativa extremamente crua e com alta carga de ternura, alternando a capacidade de gerar poesia e escândalo em doses que fazem deste, para mim, um livro inesquecível, o preferido do autor pelos leitores portugueses, onde Amado é considerado um dos maiores romancistas a história da Literatura universal.
A partir daí, as leituras se sucederam, passando pelo célebre Mar Morto (do herói Guima) e pelo maravilhoso Terras do Sem Fim, que trata da luta entre os coroneis Badaró e Horácio pela conquista de terras, a disouta pela hegemonia política de Itabuna, o enriquecimento trazido pelo cultivo do cacau, etc.
Estes, livros da chamada primeira fase, que enfatizavam justamente, como já disse, a luta de classes e a idiossincrasia existente entre o bem e o mal que caracterizariam sua obra. Os pobres e injustiçados, os bêbados, as prostitutas, os ladrões, os menores abandonados figuram na obra de Jorge como a representação do Bem, por serem perseguidos, humilhados, injustiçados, condenados à penúria e à miséria pelos representantes do Mal -os coronéis do sertão, os latifundiários,  os agiotas, os donos do dinheiro que se armam de capangas e capatazes para subjugar e dizimar os trabalhadores do campo e do porto. 
Jorge Amado de Faria, como veremos, baiano de Itabuna nascido em 1912, sempre foi uma criança e um adolescente muito inventivo e problemático, até certo ponto, protagonizando fugas do colégio de padres para onde foi levado pelo pai. Durante estas fugas refugiou-se em prostíbulos, ocasiões em que travou conhecimento com personagens que seriam transferidos para seus livros com grande frequência. Para se ter uma ideia da produção literária de Jorge durante a adolescência, basta dizer que aos dezoito anos consegue entrar para o curso de Direito da Universidade do Rio de Janeiro, para onde se transfere, e no ano seguinte já publica O País do Carnaval, seu primeiro romance, com tiragem de mil exemplares.
Nesta época da faculdade de Direito, Jorge, seguramente influenciado por seus companheiros, adere ao comunismo, filiando-se ao PCB e é acusado de participar de atividades subsersivas na cidade de Natal, sofrendo sua primeira prisão política no ano de 1936 -mesmo ano em que recebe o Prêmio Graça Aranha, oferecido pela Academia Brasileira de Letras, pelo livro Mar Morto. Só para que não percamos as contas: ele tinha 24 anos.
Em 1937 sai Capitães de Areia, e é decretado no Brasil o Estado Novo, que entre outras arbitrariedades passa a perseguir e prender comunistas declarados, como é o caso de Jorge, mas também políticos, artistas e cidadãos comuns. Monteiro Lobato e Graciliano Ramos são alguns dos presos famosos da época. Jorge passa a viajar pelo Brasil tentando fugir, mas é preso em Manaus. 1600 exemplares de seus livros são queimados em praça pública em Salvador. É libertado em 1938 e mesmo após a prisão mantém sua participação política, posicionando-se publicamente contra a tortura de presos e contra a desarticulação do Partido Comunista.
Em 1939 seus livros começam a ser traduzidos para inglês e francês, devendo ser registrada a resenha altamente elogiosa escrita por Albert Camus acerca de Jubiabá.  Passa a defender a anistia de Luis Carlos Prestes e publica sua biografia no livro O Cavaleiro da Esperança, que sai em 1942, em espanhol, sendo lançado primeiramente na Argentina e no Uruguai, entrando no Brasil de forma clandestina e provocando nova prisão do autor, que acaba confiado em Salvador, numa espécie de "liberdade vigiada".
É eleito Deputado Federal com 15.315 votos, e propõe a Lei da Liberdade de Culto, que vigora até hoje. Neste  momento já está casado com Matilde, sua primeira esposa, a quem dedica vários de seus livros, e radica-se em São Paulo por conta do mandato de deputado. Continua publicando suas obras e conhece Zélia Gattai, que viria a ser sua segunda esposa e mãe de seus filhos Paloma e João Jorge.
O Partido Comunista é cassado em 1948 e Jorge perde seu mandato, começando nova perseguição. Exila-se com a família na Europa e volta ao Brasil em 1953, por ocasião da morte do amigo Graciliano Ramos. Durante sua estada no Velho Continente, faz amizade com personalidades como Sartre e sua esposa Simone de Beauvoir e Pablo Picasso.
No final dos anos 50 abandona a militância política, sob a alegação de que seu engajamento era prejudicial à atividade literária.
A obra de Jorge continuam obtendo cada vez mais êxito e reconhecimento internacional, e em abril de 1961 é eleito para a Academia Brasileira de Letras. No mesmo mês, a TV Tupi estreia a primeira adaptação de Gabriela para a TV. No mesmo ano, é convidado pelo presidente Juscelino Kubitschek para ser embaixador do Brasil na República Árabe Unida, que ele recusa.
O cada vez mais crescente interesse internacional à sua obra o faz adquirir novas amizades: Roman Polanski, Gabriel Garcia Marquez, José Saramago, Mario Vargas Llosa passam a ser visitas frequentes à sua casa no Rio Vermelho, onde já habitam os netos.   
É indicado ao Prêmio Nobel de Literatura nos anos de 1967 e 1968, e passam a ser inúmeras as homenagens que recebe, desde batizar ruas e praças até virar tema de samba-enredo de escolas de samba. São inúmeras as adaptações de seus livros para a TV e cinema, inclusive com Marcello Mastroianni fazendo o papel do turco Nacib em Gabriela, em produção ítalo-brasileira da década de 80.      
É criada a Fundação Casa de Jorge Amado, no ano de 1987, para preservação e divulgação da sua obra.
Em 2001, suas cinzas são depositadas aos pés da mangueira sob cuja sombra ele se sentara tantas vezes, mãos entrelaçadas às de Zélia, e onde recebeu tantos amigos e admiradores durante sua longa e prolífica vida.

Benilson Toniolo
06/08/12