terça-feira, 13 de novembro de 2012




RIO CUIABÁ
Benilson Toniolo

I
O rio que passa por mim
E me traga
É caudaloso e profundo
De palavras rasas.
Quanto mais me movo, mais me afogo,
Com a violência incontrolável das águas
E dos sentimentos.

II
O sol banha o rio
Com suas línguas de fogo
E seu perfume
De todos os tempos.
Eternidades amancebadas.

III
Aprendi uma nova cor
Que sabe a água e a folha,
Cuja profundidade de rios sobrepostos
Se anula à delicada pressão dos meus dedos.
Cor de ferro,
De pluma,
De árvore,
De menino em movimento e liberdade.
Uma cor adocicada me coube
Etérea como jamais pensei existir.
Uma cora onde residem
Todos os plenilúnios,
E as crianças todas.
Solene como um átrio,
E plena como o desejo
De liberdade.

IV
Nada é mais vivo que este rio,
De braços viris e veias caudalosas,
De curso violento e decidido,
A inundar a eternidade das pedras
E o musgo dos matagais.
A açoitar na noite os troncos das árvores
E a ignorar, sabiamente,
A irracionalidade de todos os homens.

V
A qualquer momento
Pode nascer um Poema dos olhos do rio.
Um poema devastado e purulento,
Coberto de pó dourado,
Coberto de séculos e musgos
Trazidos do Tempo.
A qualquer momento
O Poema do Rio atravessará a Terra
E fixará residência
No mais profundo do coração humano.
A iluminar, silencioso e eterno,
Todo Amor e todo Entendimento.

VI
A pedra lisa
Como o dorso do peixe
Observa a cabeleira
Alvoroçada do rio,
Que corre em sua volúpia
De criança libertada.

domingo, 11 de novembro de 2012

O RACISMO EM GRACILIANO RAMOS




Graciliano Ramos é um dos maiores escritores brasileiros de todos os tempos. Quem não sabe disso nunca leu Vidas Secas, ou Angústia, ou São Bernardo, ou Memórias do Cárcere, ou então lê, sim, mas lê muito pouco e o que não deve. Mas a maioria dos brasileiros que têm o hábito –ou o vício- da leitura certamente comunga desta afirmação.
Mestre da concisão, da objetividade, da clareza e declaradamente contrário ao uso da palavra “para enfeitar”, este alagoano de Quebrangulo foi Prefeito (em Palmeira dos Índios, no mesmo Estado) e notabilizou-se pelos relatórios de prestação de contas que enviava anualmente ao Governador, cuja qualidade literária fez com que um editor do Rio de Janeiro propusesse-lhe a publicação de seus livros. Exerceu inúmeros cargos públicos, foi preso e perseguido, falecendo no Rio de Janeiro, com 61 anos de idade.
Em suas obras, é comum a crítica ao sistema social e econômico estabelecido, que enriquece cada vez mais os poderosos (o Governo, os coronéis, os latifundiários) e condena à miséria, à fome e à morte os pobres sertanejos e seus filhos. Grande parte da obra de Graciliano (assim como, pode-se dizer, a de Lins do Rego, Jorge Amado, Paulo Dantas e tantos outros) trata dessa idiossincrasia e procura denunciar essas abissais injustiças. Mas não é só isso: é comum encontrar em sua obra, também, a busca do homem pela sua própria identidade, as angústias, o egoísmo, a fé, o amor, a relação com a natureza e as lutas diárias que moldam, transtornam e acabam por formar o próprio espírito humano, numa paisagem genuinamente brasileira. 
Mas eis que, ao reler sua coletânea de contos “Viventes das Alagoas”, de 1961, lamentavelmente constatei uma terrível faceta do notável escritor: o racismo. Isso mesmo. Graciliano, em determinado momento do texto, faz referência a uma minoria de forma irônica, sarcástica, faz troça de seu idioma e ainda a ofende com um epíteto que procura, descaradamente, atacar sua honra e colocar em dúvida sua integridade moral.
O texto em questão é o conto “Professores Improvisados” (página 138 da edição da Record), quando ele assim relata sua tentativa de se fazer passar por um professor de língua italiana para ganhar uns trocados: “Imaginando, sem grande esforço, que na Itália existia um língua, pedi catálogos e pus-me a estropiar o italiano. Isto deve ser fácil, pensei. É só arrumar no fim das palavras “one” ou “ine”. De estrangeiro cá na terra ninguém entende. E se aparecer por aí um carcamano, adoeço e perco a fala”.
Reparem na forma pejorativa e ofensiva como o ilustre alagoano se refere à cultura, às tradições, à língua e à índole dos italianos. Reparem na desfaçatez, na ironia já mencionada e descarada, no claro intento de ofender e humilhar uma raça em especial.
Agora imaginem o estado em que se encontrará um estudante ítalo-descendente, ao ser lido em sala de aula um texto como este. Seguramente dele caçoarão os colegas, e no intervalo das aulas encher-lhe-ão os ouvidos com centenas de “one”e “ine”, chamar-lhe-ão de “carcamano”, ofensa extensiva aos seus antecedentes e aos filhos que ele há de ter. E agredido por este bullying descabido o pobre cidadão ítalo-brasileiro, ainda púbere, prostrar-se-á de impotência e, corroído pelo sentimento de injustiça, renunciará à escola para o resto de sua vida, ganhando ainda uma incorrigível revolta contra a condição humana e, por tabela, uma vergonha danada de ser neto de italianos.
Portanto, se há ainda alguma réstia de dignidade na educação brasileira, é necessário que o Ministério retire imediatamente das estantes este acinte denominado “Viventes das Alagoas”, que vulgariza e diminuí a importância dos italianos na história do Brasil, além de gerar traumas incuráveis no coração e no espírito dos seus descendentes.
Quanto a mim, retirarei imediatamente da minha biblioteca todos os livros deste autor infame.

Observação: é claro que o texto acima é uma brincadeira. Mas que é bom para que a gente reflita sobre certas coisas que andam acontecendo por aí, isso é... Modestamente falando, naturalmente.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

A FEIRA





Devem haver poucos lugares no mundo mais democráticos que a feira livre. Bom, tem a praia. Mas não é a mesma coisa. A praia tem a questão dos elementos naturais -o mar, a areia, as montanhas- e o apelo da pouca roupa, que num lugar como aquele é imperativo. Há também as preocupações estéticas, com o bronzeado, a silhueta, etc. Na praia, todo mundo se acha na obrigação de se divertir. Na feira, não. Está certo, cada coisa na sua hora.
Quando eu era menino, a feira do nosso bairro era às quintas-feiras. E como era gostoso chegar da escola na hora do almoço, abrir o forno e encontrar lá o pacotinho marrom, engorduradíssimo, contendo em seu interior o esperadíssimo pastel de carne -até hoje, o meu preferido. Devorava-o mesmo antes do almoço, como uma espécie de primo piatto que acabava sendo mais saboroso que o prato principal.
Era salutar evitar, na saída do colégio, a Rua da Feira, em função das infames guerras de tomates e de laranjas. No dia da feira, todos ficavam excitados, as salas de organizavam a tramar planos e estratégias para dar uma verdadeira "lavada" nas outras salas. Pobres dos que tinham que, obrigatoriamente, passar por aquela rua para retornar para casa. O jeito era, nesse dia, pedir à mães que fossem nos buscar. Porque mãe, ainda  mais a a mãe alheia, era coisa que muito se respeitava, naquela época. Hoje, não sei mais se é assim.
Na feira todos se encontram, se cumprimentam, conversam, pechincham, consultam, calculam, especulam. Pobres e ricos, negros, brancos e amarelos, católicos, protestantes e ateus, lulistas e tucanos, empregados e patrões, vegetarianos e carnívoros, cristãos e budistas, todos usufruem e compartilham o mesmo espaço, as mesmas barracas, os mesmos toldos, o mesmo cheiro do peixe fresco, a mesma tranquilidade. Se existe um espaço capaz de irmanar e neutralizar as diferenças, este espaço é justamente a feira livre. Preferencialmente num sábado jordanense, de céu azul e sol generoso, com amigos se reencontrando e se abraçando espontaneamente num ambiente de fraternidade e alegria.
Há quem diga que a feira é cara. Concordo. Tem feirante que abusa. Mas onde encontrar alimentos mais frescos, mais saborosos, mais tenros e puros do que lá? Sem a impessoalidade dos corredores refrigerados dos supermercados, a frieza das etiquetas a marcar o preço, a fila dos caixas, o estacionamento apertado, a severidade dos uniformes ou o sorriso forçado dos atendentes? Na feira tudo é mais amplo, mais natural e amigável.
E depois das compras feitas, nada melhor que saborear o pastel - ele, de novo- frito na hora, acompanhado de uma caçulinha. Tudo ali, em pé, à beira da barraca, jogando conversa fora com quem a gente não via há um tempão. Ou que a gente vê todo santo dia, mas que ali está numa outra situação, mais amistosa, mais gentil, mais... humana.
Se um dia os líderes de Israel e Palestina, por exemplo, ao invés de discutirem a paz em seus territórios em gabinetes acarpetados e diante de milhões de microfones e câmeras, se convidassem um ao outro para juntos comer um pastel e uma caçulinha, num sábado de manhã, no Pólo do Estacionamento,  a possibilidade de haver paz entre eles seria muito maior.
Foi na feira -ia esquecendo de contar- que um sujeito se aproximou de mim outro dia e disse que achava uma "sacanagem"  eu não ter sido eleito para a Câmara Municipal. Quando eu disse que não tinha me candidatado, e nunca tinha me ocorrido tal possibilidade, ele fez um ar de muxoxo, balançou a cabeça negativamente, me deu as costas e fez o quê? Pediu um pastel.
Reservemos, portanto, nossos sábados, a este verdadeiro exercício de cidadania que é a feira. E cujo nome composto traz em si aquilo que a maioria de nós procura durante toda a vida. Porque a feira, pelo menos ela, é livre.

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

O PRESENTE DO PAÍS DO FUTURO




Sou um sujeito, como diria meu pai, meio fuçado. Não é questão de ser isso ou aquilo, esses rótulos que existem por aí e que as pessoas procuram o tempo todo impingir aos outros. Mas é que sempre gostei de ler notícias de jornais e revistas de outros países, e de preferência na língua deles. Entretanto, como meu inglês é mais pífio do que o de muito aluno de nono ano de escola pública, recorro a outras línguas que, consideradas minhas limitações, me são menos complicadas, posto que latinas, para poder lê-los.
Então ocorre que, em determinadas ocasiões, começo meu dia acessando sites de jornais em língua italiana ou espanhola, além dos periódicos portugueses. Me faz um bem danado. Exercito meus parcos conhecimentos dos idiomas, me atualizo sobre o mundo através de olhares distintos daqueles com os quais estou acostumado e, claro, aprendo um monte de coisas novas. A geografia destes países, por exemplo, me atrai muito, além das notícias de cultura.
E foi justamente através desses "olhares estrangeiros" que observei no último domingo que, em cada um dos cinco jornais sobre os quais passei os olhos, havia notícias sobre o Brasil, que gostaria de compartilhar neste espaço.
No italiano Corriere Della Sera, por exemplo, o escritor Roberto Saviano -autor do polêmico livro Gomorra- declarou que o Brasil é o único farol confiável a apontar para o futuro do mundo, e que é incrível como uma ex-colônia de pouco mais de 500 anos se tornou uma potência para onde se dirigem as atenções de todo o planeta.
No La Stampa, alunos de uma faculdade de Nocera Superiore responderam em uma pesquisa que, se tivessem que emigrar para qualquer país do globo, era para cá que a maioria gostaria de vir, pelo clima, pelos atrativos naturais e pelas possibilidades de trabalho e crescimento profissional.
O espanhol El País chamava atenção para o caso do Mensalão, que eles chamaram de "O  Julgamento do Século". Dizem eles que somente em uma nação soberana, democrática e de sólidas instituições constituídas pode haver lugar para um acontecimento tão relevante, e de curso tão pacífico -verdadeiro exemplo a ser seguido pelas demais democracias do mundo.
No português Diário de Notícias, o destaque era o segundo turno das eleições em 50 cidades brasileiras, transcorrido de forma harmoniosa e equilibrada -apesar da obrigatoriedade do voto.
Por fim, o também lusitano Público destacava a realização da Feira do Livro de Frankfurt, que nesta edição homenageia a literatura brasileira, abrindo espaço não somente para nossos escritores consagrados como também para o que tem a dizer a nova safra de escribas tupiniquins.
Refletindo sobre o que li, me ocorreu um pensamento de Millôr Fernandes, notável intelectual recentemente falecido: "Se você chegar a um país e quiser saber da liberdade política que têm seus cidadãos, basta ler os jornais desse país. Se dizem que o governo é admirável, seus mentores maravilhosos, dignos e capazes, é porque os governantes são déspotas que liquidaram  com a liberdade de expressão. Agora, se os jornais dizem que os governantes são incapazes, hipócritas e estão levando o país à ruína, o país está, pelo menos politicamente, muito bem".
A verdade é uma só: o Brasil mudou, e mudou muito. Para melhor. E, apesar de ainda haver quem queira reduzir a 'paternidade da criança' a este partido ou àquele Presidente, a questão é que todos somos responsáveis pela transformação havida no País nos últimos dezoito anos: partidos políticos, instituições, empresas, trabalhadores, empreendedores... enfim, o povo brasileiro. 
Não posso negar que, depois disso, reacendeu-se em mim um sentimento de brasilidade que, confesso, andava meio esquecido. E me ocorreu também que, para que essa transformação seja permanente e continue a levar o País adiante, é necessário que eu reveja meu comportamento. Afinal, às vezes meu país está com a bola na frente do gol para ganhar uma partida importantíssima, e eu, que sou um dos jogadores, insisto em querer parar o jogo para reclamar do técnico. É chegada a hora de parar de reclamar e a ajudar a ganhar o jogo. Ou então mudar de time.

Benilson Toniolo

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

A MORTE DA PRIVACIDADE

                                             Foto: site www.123rf.it


Dia desses, fui a São Paulo de ônibus, coisa que sempre gostei de fazer.  De vez em quando é bom, em meio à correria do dia-a-dia, esta paradinha. Mudar de ares por algumas horas e, voltando, agradecer a Deus por poder morar em um lugar tão bonito e restaurador como Campos do Jordão.
Imaginei o de sempre: uma viagem tranquila, capaz de proporcionar três ou quatro horas de leitura, organização de agenda, registrar algumas ideias, um cochilo, ler o jornal do dia, com direito a uma paradinha em S. José para um café e a providencial ida ao banheiro. 
Mas este quadro, meus amigos, ficou no passado. A viagem foi um verdadeiro martírio para quem, como eu, esperava simplesmente “curtir” a paisagem e o trajeto.
Explico. Com o advento, a popularização e o desenvolvimento da telefonia móvel no Brasil, digo sem medo de errar que, o que antes era uma viagem agradável, se tornou um verdadeiro suplício.
Um ônibus possui quarenta e quatro lugares, que é a capacidade máxima de cada veículo deste porte. Descontadas as crianças e um ou outro indivíduo que bravamente ainda resiste, posso dizer que eram cerca de trinta passageiros portando celular. Isso dá, no mínimo, trinta cidadãos com o celular ligado, durante 180km. E como discutem, como riem, como falam alto, como gritam! Uns falam palavrões, outros oram, há quem lamente, quem reclame, quem brigue, quem oriente o interlocutor sobre como preparar um prato sem que grude na panela, quem articula, quem relate com riqueza de detalhes os acontecimentos da última balada... Tem empregado falando mal do patrão, patrão que fale mal dos empregados, e detalhes sórdidos e desonestos de negociações e contratos, enfim, “podres” corporativos que dariam um livro. Há os executivos que tratam de negócios e insistem em levantar a voz para que todos notem que ele é um sujeito muito importante.  Tem uma que repete inúmeras vezes o número do voo e o portão de embarque –tola, desconhece que as viagens aéreas, bem como os celulares, não são mais privilégio de poucos.  A outra está apaixonada, e confidencia a quem parece ser sua amiga que não vai esperar nem um mês para se separar do atual marido. O garotão reclama do excesso de zelo da mãe, da sovinice do pai, do namorado da irmã e do orientador do seu TCC.
E os erros de português, então? É um festival de “menas”, “poblema”, “todoscauso”, “os pessoal”, entre outras expressões, que acabam por ajudar a tornar a viagem mais divertida e provocar até mesmo, talvez, uma reflexão mais profunda sobre os rumos tomados pela  educação em nosso País nos últimos anos.
A cada toque, um barulho diferente a interromper o cochilo, a leitura, o sossego. Com metade do caminho percorrido, prestando bem atenção, a gente consegue ficar íntimo de quase uma dezena de passageiros. A promessa de uma viagem tranquila e agradável dá lugar a uma quase insuportável pressa de chegar logo.
Seja lá qual for o nome que deem os estudiosos a este fenômeno da necessidade que as pessoas têm hoje de aparecer, a questão é que o negócio está incontrolável. As pessoas vivem sob o signo da vaidade e da inveja dissimuladas, e isto é plenamente perceptível nas atitudes, nas roupas, nas postagens das redes sociais, e também nos telefonemas públicos. Tanto quanto o consumismo desenfreado que, pelo jeito, há de pôr fim à nossa espécie, o que salta aos olhos é a nossa mudança de comportamento. Não basta mais somente comprar. Temos que comprar o melhor, o mais caro, o último modelo, e é necessário que o maior número possível de pessoas saiba disso.
Perguntado em uma entrevista sobre se preferia a companhia de pessoas ou de livros, o escritor israelense Amos Oz respondeu que preferia  “livros com pessoas dentro”. Compreensível, claro. Lá, pelo menos, as pessoas não devem falar tanto ao celular.
Em tempo: fiz a viagem com dois celulares no bolso. E um deles só tocou uma vez. Era engano.

Benilson Toniolo

terça-feira, 23 de outubro de 2012

ABERTURA DA EXPOSIÇÃO 130 ANOS DE MONTEIRO LOBATO - Biblioteca Municipal de Campos do Jordão


Falar de Monteiro Lobato se constitui, antes de mais nada, um grande desafio. Ainda mais agora, quando ele volta a ser atacado pela acusação de racismo em função do conto "Negrinha", que abre o livro homônimo. Mesma coisa havia ocorrido em 2010, quanto a 'As Caçadas de Pedrinho'. E eis que, pela segunda vez em aproximadamente sessenta dias, sou convidado a falar sobre o homenageado, desta vez  por ocasião da abertura da Exposição 130 Anos de Lobato, iniciativa da Biblioteca Municipal de Campos do Jordão, que se deu no último dia 15 de outubro.
Fico muito preocupado ao receber um convite deste naipe, sobretudo quando penso em pessoas como Israel Dias Novaes (in memorian), Luiz Ernesto Kawall, Niled Dias Toniolo e Marisa Lajolo, só para falar nos que me são mais próximos, física ou virtualmente falando, e que seriam estas pessoas que abrilhantariam muito mais o evento do que eu. Não é falsa modéstia. É fato. Punto.
Mas vamos lá.
Preparar-se para falar sobre a vida e a obra de Lobato significa, literalmente, mergulhar num oceano que o Google, por exemplo, não alcança -graças a Deus. É necessário ler suas obras, ouvir suas entrevistas (como a que tenho em meu acervo, a última dada por ele em vida ao jornalista Murilo Antunes, da Rádio Record, dois dias antes da morte do escritor, em sua casa paulistana, no ano de 1948, presente do já citado Kawall e que deixei em forma de empréstimo ao pessoal da Biblioteca até o final da Exposição), meditar sobre cada palavra contida em seus contos e artigos, admirar extasiado suas aquarelas e as fotografias que ele próprio tirou quando viveu em Campos do Jordão, na rua Macedo Soares. É necessário ouvir o Edmundo Ferreira da Rocha falar de sua luta pelo resgate deste material iconográfico e da importância dele para o resgate da memória desta Cidade já quase sem memória.



Se Lobato era racista? Pouco se me dá, como dizia Jânio. Confesso que não cheguei a conclusão nenhuma sobre este assunto, e nem pretendo. Considero legítimas as petições dos grupos que defendem os interesses dos afro-brasileiros, como também continuo achando que olhos persecutórios sobre a obra de quem quer que seja costumam produzir resultados dúbios. O próprio conto "Negrinha" mostra um Lobato denunciador das mazelas e do sofrimento dos escravos e seus filhos recém-libertados poucas décadas após a Abolição, e acusador da patroa branca, rica, europeia e católica -que se revela um verdadeiro monstro. A defesa dos cidadãos vítima da escravidão também fica clara nos contos "O Jardineiro Timóteo", "Quero Ajudar o Brasil" e o "Bugio Moqueado". Se querem acusá-lo de racismo, não vai ser através deste livro, e sim através de várias declarações dadas por ele, em entrevistas faladas e escritas onde, em meio a tantas polêmicas, ele dá mostras claras de sua inclinação à eugenia. Portanto, tudo indica que estão acusando o homem certo, pelo livro errado.
Não faço defesa nenhuma de Monteiro Lobato - até porque tratava-se, apesar de um homem extraordinário, de apenas um homem, com todos os vícios e virtudes de nossa condição. 
O que espero é que não esteja em curso uma espécie de "demonização" de sua figura histórica. Ao mesmo tempo, penso que alegar que ele apenas reproduzia o pensamento de sua época é simplificar demais a questão.
Que os acadêmicos, estudiosos e juízes do STF -que é onde o caso foi parar- decidam, portanto, a querela.
Por mim, continuarei admirando o homem e o escritor José Bento Monteiro Lobato, como uma figura que faz uma falta abissal nos conturbados dias de hoje desta Pindorama dada a escândalos e jogos de cena.
Como disse o próprio a Israel Dias Novaes, segundo conferência realizada por este último em nossa Academia de Letras de Campos do Jordão, em 1995, "usei cada tropeço que tive na vida como impulso para voltar a acelerar". Estivesse vivo hoje, diante de uma nova acusação, certamente estaria voltando a acelerar, o nosso José Bento.

        Nossa família reunida na Biblioteca, atenta a ouvir o Edmundo falar de Lobato em Campos do Jordão

Benilson Toniolo

terça-feira, 16 de outubro de 2012

A ALCUNHA DO JOSÉ PONCÍLIO




Deu-se que o José Poncílio, jordanense da gema, filho de mineiros que se estabeleceram para os lados do Recanto Feliz por volta dos anos 1960, certa noite de inverno brabo e geada da graúda na manhã seguinte, bebeu um pouco além da conta no bar do Antonio e resolveu abrir um pouco mais seu coração para os dois amigos recentes que o acompanhavam.
Pinguinha vai, pinguinha vem, narrou-lhes de como sofria quando lhe atingiam determinadas crises diretamente ligadas à sua alimentação desregrada. Ele adorava uma linguicinha, um lombo, uma cachaça, um torresmo, uma galinhazinha bem apimentada, um paio, um salame, e era só abusar de tais iguarias que estava pronto o quadro para a desgraça. Podia contar que, no dia seguinte, a crise vinha. Pronto. Estava feito. Daquele momento em diante, em meio ao sorrisinho maroto dos que o acompanhavam, também mineiros ambos, surgia o apelido que marcaria o infeliz do Poncílio, e que ele detestou logo de primeira audição: Zé Morróida.
Apelido é coisa que, como toda a gente sabe, pega justamente quanto mais a “vítima” se ofende, e faz questão de frisar a ofensa. Quando dá por si, a alcunha já pegou, goste ou não goste o apelidado.
E, não por falta de aviso, teve gente que, na cidade de onde venho, já morreu na ponta de uma faca por chamar o Domício de “Estrupício”. Da mesma forma que chamar nordestino de “baiano”, embora não seja ofensa, demonstra em si um preconceito e uma xenofobia que outra coisa não são do que simples vontade de ofender aquele que veio de longe, e deixar clara sua condição de forasteiro. Agressão gratuita, que acaba por validar o não-raro revide.
Claro que o Poncílio detestou o epíteto. Nem era pra menos. A confiança que, ainda que sob o efeito do álcool, depositara nos dois amigos, se quebrara. Aquilo não era coisa que se fizesse com um companheiro como ele, pai de família, um homem honrado, trabalhador, cumpridor dos seus deveres, e cuja única diversão era tomar um negocinho  no bar do Antonio, acompanhar um joguinho de sinuca ou de truco, jogar conversa fora, ver o movimento. Segredo revelado em balcão de boteco e que acabava virando domínio público, era questão para ser resolvida com derramamento de sangue.
Por isso, tão logo soube do apelido, achou por bem dar uma sumida do mapa. Antes, deixara bem claro a todos que não toleraria falta de respeito para o seu lado. Ora veja.
Passadas três semanas, voltou ao bar. Preparou-se. Mexessem com ele, e reagiria de acordo com o nível da ofensa. Levara a faca na parte de trás da calça, escondida. O lugar estava cheio, se podia ouvir da rua o barulho das bolas de sinuca se chocando umas contra as outras sobre o pano verde. Entrou, arredio. Cumprimentou os presentes, que retribuíram seu “boa-noite”, olharam de rabo de olho. O clima era tenso. Encostou no balcão, de frente para o bilhar, pediu o rabo-de-galo, cara de poucos-amigos, recolhido em seu silêncio,  antena ligada ao menor sinal de desrespeito ou gozação dirigida à sua pessoa.
Passa um tempinho e adentra o estabelecimento o Chico, que além de parceiro de mentirada ainda vinha a ser exatamente seu primo. Mais que isso, menino que o acompanhara desde as épocas de calça curta por estes morros de Campos do Jordão. Parceiro de caçada, de farra, padrinho de um de seus filhos, corintiano que nem ele, chegado num churrasco gordo e muito, mas muito piadista. Perdia o amigo, mas não perdia a oportunidade da piada. Poncílio corou. Era só o que faltava. Não viria seu primo, logo seu primo, fazer referência ao infame apelido, fazê-lo passar vergonha na frente de todo mundo. Logo ele. Logo Chico. Não ficaria desmoralizado. Nem que tivesse que dar uma lição no Chico. Mas logo o Chico?
O primo veio vindo em sua direção, chamando os presentes respectivamente pelo apelido de cada um. Zé-Ruela, Delfim, Zóio-de-Gato, Pedro Careca, Gordo, Roda-Presa, Prexeca, Fura-Prego, Bola Murcha. Poncílio gelava. O primo vinha rindo, olhos fixos nele, o apelido infame latejando em suas têmporas, chegava a ver a hora de puxar da faca e ser obrigado a dar uma lição no primo. Chico, logo você, Chico, meu primo?
Chico se aproximou, deu um abraço em Poncílio, perguntou da família, falou do jogo de sinuca e pediu uma branquinha. Ficou um tempo em silêncio e depois aconselhou o primo:
- Chegou na Cidade um doutor que cura esse negócio aí que você tem. Tá atendendo lá em Abernéssia. Se eu fosse você, ia ver. Aí, parava esse negócio sem graça de Zé-Morróida. Coisa mais besta.
Poncílio concordou. Ia ver, sim. Antes que a coisa piorasse para o lado dele. Virou-se para o balcão e, pelo, pelo não, pediu um tira-gosto.

Benilson Toniolo

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

DIGA-ME O QUE ASSISTES...



Em geral, assisto muito pouco à televisão. Não tenho, confesso,  muita paciência. Tenho meus programinhas preferidos, claro, mas também não é sempre que os assisto. Sempre tenho coisa melhor pra fazer, tanto em casa, quanto fora dela. E depois, a gente vai amadurecendo e começa a ficar meio rabugento, meio implicante, meio exigente, e começa a selecionar melhor as coisas. Não dá pra ficar perdendo muito tempo com porcarias –mesmo quando elas existem nos canais da tevê por assinatura.
Novela, por exemplo. Acho que a última que acompanhei com especial interesse foi a “Belíssima”, que, pelo que me lembro, foi ótima. De lá pra cá, não acompanhei mais nenhuma.
Além do mais -quem tem filhos sabe disso- a gente acaba meio que perdendo o controle do controle. Em casa, para assistir alguma coisa na televisão é preciso fazer algo como um tipo de “reserva de domínio”. Olha, gente, hoje às oito horas vai passar um programa no canal tal, e eu vou ver. Pronto, está anunciada a reserva.  Em geral, dá certo. A turminha lá de casa entende, respeita e acata.
Dia desses, combinei ir à casa de um amigo cumprimentá-lo pela formatura do filho mais velho, que concluíra o curso de Engenharia. Ele me convidou para um vinho, comer alguma coisa, jogar conversa fora, essas  coisas. Fomos, eu e Simone.
A casa do sujeito é grande, com quatro quartos, e muito bem localizada. Na verdade, é um apartamento. Um aparelho de TV em cada cômodo, de forma que, se contarmos os quatro quartos já anunciados, a sala, a cozinha e o quartinho da empregada, estamos falando –pasmem- de sete aparelhos de TV numa casa só.  À hora em que chegamos, por volta das oito da noite, havia três ligadas: a da sala, a do quarto da filha (que se prepara para prestar vestibular para Medicina) e a da cozinha (onde não havia ninguém a assistir). Todas ligadas no mesmo canal.
Até que, em meio à conversa que se estendia sobre a trajetória universitária do novo engenheiro, e entre os agradáveis aperitivos que acompanhavam a referida conversa, fomos convidados a assistir ao episódio daquela noite de Avenida Brasil. Convivas educados que somos, claro, vamos lá, nós não assistimos mas acompanhamos vocês, claro. Nossa anfitriã ainda tentou justificar o insólito convite: “a gente não perde um capítulo”.
Novela, hoje em dia, é um negócio que, mesmo que a gente não assista, acaba sabendo de tudo o que acontece, seja porque todo mundo comenta, seja porque está nas páginas principais dos jornais impressos e nos sites da internet. Então, é como o mosquito da dengue: ninguém pode dizer que está imune.
Mas confesso que me surpreendi. Ô novelinha ruim, moço. É violência da primeira à ultima cena. Pra começar, a personagem Carminha apanha mais que tamborim de escola de samba. Além do quê, sofre de alguma patologia psíquica que exigiria um congresso de profissionais só pra se chegar a um diagnóstico sobre o que se passa naquela cabeça tingida. O Marcelo Novaes dizia ao Cauã Reymond que ele não passa de um “babaca que só faz m...”. Aliás, pela minha contabilidade, a palavra “m...” foi proferida duas vezes na mesma cena. Os termos “vaca”, “vadia” e “vagabunda” também surgiram nos “diálogos”, se é que se pode chamar de diálogo as ofensas e ameaças com  que os personagens se digladiam. As relações amorosas também são um caso à parte: todo mundo pega todo mundo, todo mundo trai todo mundo, e as pessoas só pensam em sacanagem. E o fio condutor da história parece ser descobrir qual dos doze suspeitos assassinará o personagem  Max (que na verdade ainda não morreu), interpretado pelo já citado Marcelo Novaes, um sujeito fortão que nunca passou de um canastrão de marca maior. Canastrão, aliás, é o que não falta na novela das oito, que aliás já há algum tempo começa somente às dez. O Tufão, que até onde eu saiba deveria ser o personagem principal, sequer apareceu no episódio.
Podem me chamar do que quiserem, mas a verdade é que achei a novela em questão uma bela porcaria. Realmente, não sei que tipo de fascínio algo tão mal escrito e tão mal interpretado pode causar nas pessoas. Diga-me o que assistes, e eu te direi quem és.
Acabou a novela, conversamos mais um pouco e constatamos que o vinho estava melhor por ter ficado na geladeira enquanto estávamos defronte à tevê. O neo-engenheiro chegou e o recebemos com efusivos abraços de “parabéns”, o menino agradeceu, entrou no quarto e fez o quê? Ligou a televisão.  Mas não assistiu. Foi só para colaborar com o barulho que os outros aparelhos faziam.
Despedimo-nos e ficamos de nos encontrar novamente, para conversar mais um pouco. De preferência, num domingo, que é dia que não passa novela.
Na volta, conversando com Simone, concluímos que quando pesquisadores quiserem estudar o comportamento da nossa sociedade, nem precisarão procurar muito: basta recorrer ao que assistimos na televisão.
De qualquer forma, me disseram que a nova novela das seis parece que é melhor que a Avenida Brasil. Nem precisaria muito, para chegar a isso. Vou dar uma conferida, qualquer dia desses.

Benilson Toniolo

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

“A INDIFERENÇA É O PESO MORTO DA HISTÓRIA”





Escrevo esta coluna sem saber ainda o resultado das eleições em nossa Cidade –isto, de forma propositada. Fiz questão de fazer este registro sem qualquer tipo de ”interferência” quanto a saber o nome do novo Prefeito, e também aos novos membros da Câmara Municipal. Ou então, para ser mais justo, se houve ou não mudança nas cadeiras, tanto no Executivo, quanto no Legislativo. Decidi escrever, portanto, um dia antes das eleições. Para ser mais exato, no sábado, dia seis de outubro.
A eleição que passou foi uma grande demonstração, da parte do jordanense,  de cidadania e civilidade. Todos, votantes e votados, nos comportamos muito bem. Novos e velhos candidatos se respeitaram e conviveram de forma harmoniosa; velhos caciques (alguns já sem nada mais a oferecer) e jovens promessas (uns com muito a colaborar, outros que encerraram a campanha sem conseguir nem decorar o nome do próprio partido) dividiram o mesmo espaço, apesar das heterogeneidades; o interesse pela política revelou caras novas, que deram um grande exemplo de comprometimento e coragem ao saírem das suas “zona de conforto” e arregaçarem as mangas para construir um futuro melhor para todos.
Sem falar na realização dos debates, fundamentais para que o eleitor conhecesse melhor as opções que lhe eram apresentadas e pudesse abandonar o rol dos indecisos.
Há aspectos a serem melhorados, obviamente, no processo como um todo. O excesso de lixo acumulado pelas ruas e calçadas, a poluição sonora (alvíssaras, senhor promotor, alvíssaras), o triste espetáculo dos seguradores-de-bandeira (será que nesta Cidade não há tarefa mais digna que possa ser oferecida a essa gente?), as “baixarias facebookianas”, e principalmente essa mania que muita gente ainda tem de, a cada eleição, se “pendurar” neste ou naquele candidato na esperança de ganhar um emprego público que lhe dê bom salário e pouco serviço pelos próximos quatro anos, ou enquanto durar o mandato. Aliás, quanto a este assunto, vale uma pergunta: não é muito mais “saudável” estudar e se tornar um profissional de verdade, cuja trajetória independa da vontade das urnas e da prestação continua de favores?
A verdade é que, independentemente de quem tenha vencido a eleição, começou uma nova era em Campos do Jordão. E é neste momento de transição que me vem à mente a figura de um pensador italiano chamado Antonio Gramsci,  de quem conheço muito pouco, mas que tem uma frase que me causa bastante espécie, e que dá título a esta coluna. Segundo ele, “Viver é tomar partido. Não pode haver os apenas homens, estranhos à cidade. Indiferença é paralisia, abulia, não é vida. A indiferença é o peso morto da História”.
Portanto, a experiência que tivemos nesta eleição só terá valido a pena se, seguindo o conselho de Gramsci, deixarmos de ser politicamente indiferentes, e passarmos  a ter uma postura fiscalizadora e crítica quanto ao trabalho que será desenvolvido por aqueles que foram colocados nos principais cargos públicos do Município.
Prefeito não legisla, vereador não tem poder de Secretário Municipal e ambos têm como principal atribuição o papel de representar os interesses do povo e fazer o melhor de seus esforços, pelo menor custo possível, pelo bem dos jordanenses –que, por sua vez, têm por obrigação fiscalizar este trabalho e exigir dos eleitos nada menos que o máximo.
Portanto, chega de oba-oba, de papo-furado, de verborragia.
E não, não vou desejar boa sorte aos eleitos porque, de sorte, nenhum de nós necessita. Vou é recomendar que trabalhem de forma séria, dedicada e honesta, e que honrem cada um dos votos que fizeram com que os senhores chegassem onde chegaram.
Há uma joia maltratada no alto da Serra, esperando para ser cuidada, limpa, lustrada, renovada, para poder voltar a brilhar e encantar o mundo.


Benilson Toniolo

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Minha homenagem a AUTRAN DOURADO


                                 O escritor mineiro, falecido no último dia 30 de setembro



                                        Os livros de Dourado na biblioteca de nossa casa.



Assim diz o Wikipedia: Waldomiro Freitas Autran Dourado, mais conhecido como Autran Dourado (Patos de Minas18 de janeiro de 1926 - Rio de Janeiro30 de setembro de 2012), foi um escritor brasileiro.
Filho de um juiz, passou sua infância em Monte Santo de Minas e São Sebastião do Paraíso, no estado natal, Minas Gerais. Aos 17 anos foi para Belo Horizonte, onde cursou direito, enquanto trabalhava como taquígrafo e jornalista. Formou-se em 1949. Sua segunda obra publicada, Sombra e exílio, de 1950, ganhou o Prêmio Mário Sette do Jornal de Letras. Mudou-se em 1954 para o Rio de Janeiro, onde morou até sua morte, em 2012. Foi secretário de imprensa da República, de 1958 a 1961, no governo Juscelino Kubitschek. Sua primeira obra a ser traduzida para outro idioma foi A Barca dos Homens, que havia sido considerado o melhor livro de 1961 pela União Brasileira de Escritores.
Diversas narrativas se passam na cidade imaginária de Duas Pontes, a maioria narradas pelo personagem João da Fonseca Ribeiro, formando um conjunto em que as gerações da família Honório Cota se sucedem, transitando entre os séculos do apogeu da mineração ouro até os dias de hoje. Outras estão ambientadas em cidades reais da Minas Gerais atual e de outras épocas; uma exceção é A barca dos homens, ambientada numa ilha do sul do Brasil. Uma espécie de Comédia Humana que mostra a decadência das classes abastadas desde o século XVII.
Também publicou ensaios sobre teoria literária, onde expõe seu processo pessoal de produção, traço praticamente único entre os grandes escritores. Autran Dourado também já deixou um livro de memórias, Gaiola aberta, onde aborda seu trabalho no governo de JK.
Ganhou vários prêmios literários, entre eles o Prémio Camões, em 2000. Seu romance mais célebre é Ópera dos Mortos, incluída na seleção de obras representativas da literatura universal, feita pela Unesco. Sua obra predileta é a novela Uma vida em segredo, adaptada posteriormente para o cinema. Outras obras importantes são A barca dos homensO risco do bordadoOs sinos da agonia e As Imaginações pecaminosas
Faleceu no dia 30 de setembro de 2012 no Rio de Janeiro, aos 86 anos.


Benilson Toniolo

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

TRÂNSITO: A NOVA TORTURA JORDANENSE

Publicado no jornal O Povo, de 27 de setembro de 2012

           


A cada quinze dias, dezenas de novos condutores de motocicletas e automóveis são lançados nas ruas da Cidade. Acrescentem-se a isso as facilidades encontradas hoje em dia para aquisição de veículos, a tão celebrada ascensão da chamada “classe média” e a inércia do poder público em procurar alternativas para escoar tantos veículos novos adquiridos por condutores novos e velhos, e pronto: está armado um dos maiores transtornos do dia-a-dia do jordanense -o trânsito.
Recentemente, ao me dirigir ao Capivari para o lançamento do meu último livro, saí da Vila Albertina e, entrando na avenida, por volta de 18:30h, me impressionei com a quantidade de veículos vindos de ambos os lados da pista. Por se tratar de uma sexta-feira, fiquei feliz com o movimento e pensei: “a cidade está cheia”. Afinal, o trânsito se estendia até quase o Jaguaribe. A questão é que, ao chegar no Capivari, fiquei surpreso ao ver que as ruas estavam vazias, idem as lojas e os restaurantes. Pouquíssimos turistas. Logo, não foi difícil concluir que o movimento que vi quando saí de casa não era de visitantes que chegavam. Eram os jordanenses que se locomoviam pela Cidade.
Não estou falando nenhuma novidade. Não deve haver cidadão que viva nesta Cidade que não tenha reparado o absurdo que está se tornando nosso trânsito. Ainda que tenhamos o excelente hábito de respeitar a faixa de pedestres, só isso ainda é muito pouco. Mesmo porque, além de haver inúmeros pedestres que não respeitam a referida faixa há ainda os que, ao invés de atravessar, preferem desfilar sobre ela. E há várias –e excelentes- faixas de pedestres em nossas ruas.
Convencionou-se que não é obrigatório o uso da seta para conversões. Ou seja, o motorista que vem logo atrás fica obrigado a desenvolver sua capacidade de adivinhação. Se houver uma colisão, a culpa não é de quem não acionou a seta, e sim do outro, que não previu que haveria uma conversão à sua frente.
Caminhões pela esquerda, no meio da avenida principal, a qualquer hora do dia. Geralmente, mais de um na mesma via, ao mesmo tempo, em velocidade claramente acima do ideal. Quem estiver na calçada deve se segurar, senão cai, tamanho o impacto dos gigantescos veículos de carga sobre a malha viária.
Ciclistas fora da ciclovia (ocupadas por pedestres) transitando na contra-mão, trocando de faixa sem ao menos sinalizar ou mesmo verificar quem vem atrás.
Filas duplas e triplas, ultrapassagens pela direita, carros lentos na esquerda, transitando com o pisca-alerta acionado, com os faróis apagados, estacionados em locais exclusivos para idosos ou portadores de necessidades especiais, sobre as calçadas, obrigando crianças, idosos e carrinhos de bebê a transitar pelo meio da rua. A buzina, ao invés de ser utilizada para prevenir acidentes, serve para cumprimentar amigos e conhecidos.
Pais de família são arrancados de dentro de seus carros e espancados na frente dos filhos pequenos por “lutadores” destemperados e irritadinhos.
As pessoas se xingam, se ofendem, apontam os dedos, se ameaçam, se desrespeitam e seguem em frente, pouco ligando se este ato estragará ou não o dia dos outros. Porque sim, ainda há gente que se aborrece ao ser ofendido sem razão.
Em um quadro como este, é evidente que aumente o número de acidentes, e consequentemente de mortos e feridos.
Os exemplos, infelizmente, são inúmeros –tudo porque falta rua pra tanto carro.
E o que mais incomoda é saber que o poder público, que é quem deveria resolver os problemas da Cidade, mais uma vez dá uma demonstração de indiferença e pouco-caso.
Outra má notícia: salvo engano, não há entre os candidatos a prefeito nenhum projeto de solução para este problema, assim como parece não haver também para a saúde, para a educação, para a cultura, para a segurança. As “propostas” que ouvi, tanto nos programas de rádio quanto nos próprios debates realizados, não passam de mera retórica e jogo de palavras vazias, o que é típico de períodos eleitorais como este em que estamos vivendo.
Se sou pessimista? Creio que não. Só não consigo enxergar, talvez até por desconhecimento técnico, alguma proposta plausível a curto prazo para que jordanenses e turistas voltem a usufruir de um trânsito mais humano, mais equilibrado e menos caótico.
Acho que não é pedir demais.

Benilson Toniolo



quinta-feira, 27 de setembro de 2012

DANTE ALIGHIERI, QUEM DIRIA, MORREU NA PARAÍBA

                             


Passei um dos melhores períodos de minha vida entre os anos de 1996 e 1998, quando morei na Paraíba.
Recém-casado, sem filhos, com um salário razoável, morando no mesmo hotel em que eu trabalhava, passava os finais de semana entre o esplendoroso litoral paraibano, de norte a sul do Estado, em Natal, de beleza incomparável, e Recife, cidade que hospedo no coração até hoje. Algumas incursões pelo interior de Pernambuco, também, mas muito rapidamente: Timbaúba, Buenos Aires, Acerolândia, Garanhuns e Nova Jerusalém, para a encenação da Paixão de Cristo na Semana Santa.
Isto entre 1996 e 1998.
Trago grandiosas recordações desta época, algumas muito engraçadas, como esta aqui.
Haveria em nosso Centro de Convenções, em alguns dias, uma reunião do Instituto Dante Alighieri para tratar da realização de uma Semana de Cultura Italiana que ocorreria no local. Como sou –sempre fui- muito ligado à questão da cultura da Itália, até por conta de meus antepassados vênetos, e diante do “aperto” da própria comissão organizadora, formada por dois ou três abnegados, me dispus a ajudar no que fosse possível. Coube ao Hotel, então, naquele momento, telefonar para algumas pessoas de uma pequena lista fornecida por eles e informar da reunião.
Chamei a telefonista –vamos chamá-la de, sei lá, Desdêmona, vai que a menina fica chateada comigo, mesmo depois de passados tantos anos- e pedi a ela que fizesse as tais ligações, deixando claro que era da parte do Instituto Dante Alighieri. Ela, então, liga para o primeiro nome da lista, uma senhora:

- Boa tarde, senhora, aqui é da parte do senhor Dante Alighieri...

- Da parte de quem, minha filha?
- Do senhor Dante Alighieri.
- Minha filha, Dante Alighieri já morreu...
- Ai, meu Deus, seu Benilson não deve nem estar sabendo!

Algum tempo depois, ela entra na minha sala e, pálida e trêmula, se prepara para dar a notícia. Prendi o riso e fitei-a sério, quase professoral. Senta aqui, Desdêmona, que vou lhe explicar umas coisas. Presta atenção.


À noite, acho que diante de uma pizza, relatei o fato à Simone e gargalhamos, felizes como éramos (e somos), indiferentes à tragédia que se anunciava.

Benilson Toniolo


terça-feira, 25 de setembro de 2012

TABUCCHI, O ANIVERSARIANTE, E O BRASIL


                                                 Antonio Tabucchi e charge de Fernando Pessoa

Imagine um criminoso, um facínora execrável, um sujeito  que seja condenado pela Justiça brasileira à prisão perpétua,  por ter cometido atentados criminosos, formação de quadrilha e assassinatos, entre outros crimes. Imagine que a Justiça brasileira tenha investido muito dinheiro, tempo, esforços e pessoal em prender, julgar e  condenar um cidadão desta estirpe que, apesar de tudo, consegue escapar do País, indo se esconder, por exemplo, na Namíbia. Lá, ele é localizado e preso e, apesar dos apelos do Brasil para que ele lhe seja devolvido para que possa cumprir aqui sua pena pelos crimes que cometeu, o Governo da Namíbia não somente nega o pedido brasileiro, como também concede ao fugitivo o direito de lá permanecer gozando de uma liberdade que ele, na verdade, já havia perdido. O mais elementar dos sentimentos seria o de revolta, não é verdade? Também acho. Além do quê, com este ato, seria como se os africanos mandassem um recado à Justiça brasileira: nós não os reconhecemos como país, para nós sua justiça não vale nada. Seria, no mínimo, uma afronta.
Pois foi justamente isto que fez o governo brasileiro, ainda na gestão que antecedeu a de Dilma, com relação ao criminoso italiano Cesare Battisti, condenado à prisão perpetua na Itália pelos crimes elencados acima, e que hoje goza a boa vida dos justos no Rio de Janeiro, com direito a lançamento de livro com coquetel e ser recebido em Brasília como um homem de esquerda que lutou contra alguma coisa que até hoje ninguém entende direito o que é.  
Na Itália, o caso teve imensa repercussão, com debates acalorados no Parlamento e nos canais de TV, a ponto de intelectuais do porte de Umberto Eco e Antonio Tabucchi virem a público demonstrar sua indignação contra o que chamaram de “desrespeito à soberania italiana”.  Mas é sobre Tabucchi que quero falar.
Por conta do episódio, Tabucchi recusou o convite que já havia aceitado para ser um dos autores estrangeiros de destaque na FLIP, há alguns anos atrás, em protesto contra a recusa brasileira em extraditar Battisti. Apesar de amar o Brasil, segundo ele, não poderia prestigiar um evento em um país que acolhia um bandido.
Admirável, a postura do escritor. Abrir mão de comparecer a um evento tão importante como a FLIP, abrir mão de ver e rever seus leitores, e de expandir ainda mais sua obra para realizar um protesto político não é um fato comum hoje em dia, quando a maioria dos escritores prefere o silêncio e a indiferença frente aos grandes problemas mundiais.
Tabucchi faria aniversário hoje, dia 24 de setembro. Morreu em março deste ano, provavelmente em Lisboa, onde vivia a maior parte do tempo, ele que era o maior tradutor para o italiano da obra de Fernando Pessoa. E dele li, recentemente, o livro ‘Está Ficando Tarde Demais’, um romance epistolar em que o autor elenca grande parte do seu grandioso conhecimento da literatura, da arte, da vida e da condição humana.
Neste livro, há muitas referências, todas positivas, ao Brasil, como Chico Buarque e Guimarães Rosa, por exemplo. Ou seja, através de ícones de nossa cultura o escritor italiano, tão respeitado e admirado no mundo todo,  desenvolveu  uma grande admiração pelo Brasil, o que reforça ainda mais a importância do seu ato de desagravo diante de um desrespeito tão explícito, tão gratuito, tão indigno, tão inexplicável, ao seu país de origem.
Perdoem-me os militantes e nacionalistas exacerbados, mas entre um governante brasileiro que faz apologia da ignorância e que é considerado o maior de todos os tempos por seu povo (uma espécie de Messias libertador que hoje passa seus dias a tentar provar, ao negar o Mensalão, que o mar não existe) e um escritor italiano que defende, com seu ato simples, mas tão significativo, a soberania de seu país diante da agressão de um outro, fico com o segundo.
Cada um deixa de si a imagem daquilo de que é feito.
Benilson Toniolo

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

SARAU INCLUSIVO SENAC - 22/09/12

A literatura jordanense continua abrindo espaços graças ao trabalho hercúleo de pessoas que têm a convicção de que todos, sem exceção, têm direito à cultura e a todas as formas de manifestação artística.
Desta feita estive no SENAC, convidado pela Tânia Sanvezzo e pela vereadora Joaquina, para participar de um Sarau que fez parte do Dia da Responsabilidade Social promovido por aquela instituição.
Além das atividades ligadas à Cidadania, este ano foram inseridos na programação a Feira de Troca de Livros (com grande público, acima dos anteriores, dos quais também participei, mas como "trocador") e o Sarau.
E o que posso dizer, além da emoção indizível de encontrar a Mônica com sua generosidade que tão bem a caracteriza, me recebendo de braços e sorrisos abertos, e ver gente vinda de Pindamonhangaba, de Lorena, de Guaratinguetá, para participar do evento?
O que dizer de ver a dona Vanda lendo em braille meus poemas "Chamar e Amor" e "Esguelha", além de textos de Vinicius de Moraes e Mario Quintana?
O que dizer de ler com a lindíssima menina Flora, que leu em linguagem de sinais, os poemas de Cora Coralina, entre eles, a 'Oração do Milho'?
O que dizer de ver o Hino de Campos do Jordão "cantado" na linguagem de sinais?
Para o golpe de misericórdia, o público -que participou também lendo composições próprias- pediu que eu lesse um dos poemas que fiz a seo Benício, citados por Joaquina, e que consta no 'Sandálias Paternas E Outros Poemas'. 
Ao final, muitas fotos, muitos abraços, e a doação dos meus cinco livros para o acervo da Biblioteca do SENAC.
Um dia inesquecível, que já tem lugar reservado na estante da memória.
Obrigado a todos, e principalmente à Literatura, a quem já devia tanto, e cujo débito de minha parte só faz aumentar. Felizmente.

                                         Panorâmica de parte do público


                                         A linda dona Vanda (à minha direita) e Joaquina


                                           Literatura pela Inclusão


                                         Joaquina traduzindo minhas "viagens"...