quinta-feira, 27 de setembro de 2012

DANTE ALIGHIERI, QUEM DIRIA, MORREU NA PARAÍBA

                             


Passei um dos melhores períodos de minha vida entre os anos de 1996 e 1998, quando morei na Paraíba.
Recém-casado, sem filhos, com um salário razoável, morando no mesmo hotel em que eu trabalhava, passava os finais de semana entre o esplendoroso litoral paraibano, de norte a sul do Estado, em Natal, de beleza incomparável, e Recife, cidade que hospedo no coração até hoje. Algumas incursões pelo interior de Pernambuco, também, mas muito rapidamente: Timbaúba, Buenos Aires, Acerolândia, Garanhuns e Nova Jerusalém, para a encenação da Paixão de Cristo na Semana Santa.
Isto entre 1996 e 1998.
Trago grandiosas recordações desta época, algumas muito engraçadas, como esta aqui.
Haveria em nosso Centro de Convenções, em alguns dias, uma reunião do Instituto Dante Alighieri para tratar da realização de uma Semana de Cultura Italiana que ocorreria no local. Como sou –sempre fui- muito ligado à questão da cultura da Itália, até por conta de meus antepassados vênetos, e diante do “aperto” da própria comissão organizadora, formada por dois ou três abnegados, me dispus a ajudar no que fosse possível. Coube ao Hotel, então, naquele momento, telefonar para algumas pessoas de uma pequena lista fornecida por eles e informar da reunião.
Chamei a telefonista –vamos chamá-la de, sei lá, Desdêmona, vai que a menina fica chateada comigo, mesmo depois de passados tantos anos- e pedi a ela que fizesse as tais ligações, deixando claro que era da parte do Instituto Dante Alighieri. Ela, então, liga para o primeiro nome da lista, uma senhora:

- Boa tarde, senhora, aqui é da parte do senhor Dante Alighieri...

- Da parte de quem, minha filha?
- Do senhor Dante Alighieri.
- Minha filha, Dante Alighieri já morreu...
- Ai, meu Deus, seu Benilson não deve nem estar sabendo!

Algum tempo depois, ela entra na minha sala e, pálida e trêmula, se prepara para dar a notícia. Prendi o riso e fitei-a sério, quase professoral. Senta aqui, Desdêmona, que vou lhe explicar umas coisas. Presta atenção.


À noite, acho que diante de uma pizza, relatei o fato à Simone e gargalhamos, felizes como éramos (e somos), indiferentes à tragédia que se anunciava.

Benilson Toniolo


terça-feira, 25 de setembro de 2012

TABUCCHI, O ANIVERSARIANTE, E O BRASIL


                                                 Antonio Tabucchi e charge de Fernando Pessoa

Imagine um criminoso, um facínora execrável, um sujeito  que seja condenado pela Justiça brasileira à prisão perpétua,  por ter cometido atentados criminosos, formação de quadrilha e assassinatos, entre outros crimes. Imagine que a Justiça brasileira tenha investido muito dinheiro, tempo, esforços e pessoal em prender, julgar e  condenar um cidadão desta estirpe que, apesar de tudo, consegue escapar do País, indo se esconder, por exemplo, na Namíbia. Lá, ele é localizado e preso e, apesar dos apelos do Brasil para que ele lhe seja devolvido para que possa cumprir aqui sua pena pelos crimes que cometeu, o Governo da Namíbia não somente nega o pedido brasileiro, como também concede ao fugitivo o direito de lá permanecer gozando de uma liberdade que ele, na verdade, já havia perdido. O mais elementar dos sentimentos seria o de revolta, não é verdade? Também acho. Além do quê, com este ato, seria como se os africanos mandassem um recado à Justiça brasileira: nós não os reconhecemos como país, para nós sua justiça não vale nada. Seria, no mínimo, uma afronta.
Pois foi justamente isto que fez o governo brasileiro, ainda na gestão que antecedeu a de Dilma, com relação ao criminoso italiano Cesare Battisti, condenado à prisão perpetua na Itália pelos crimes elencados acima, e que hoje goza a boa vida dos justos no Rio de Janeiro, com direito a lançamento de livro com coquetel e ser recebido em Brasília como um homem de esquerda que lutou contra alguma coisa que até hoje ninguém entende direito o que é.  
Na Itália, o caso teve imensa repercussão, com debates acalorados no Parlamento e nos canais de TV, a ponto de intelectuais do porte de Umberto Eco e Antonio Tabucchi virem a público demonstrar sua indignação contra o que chamaram de “desrespeito à soberania italiana”.  Mas é sobre Tabucchi que quero falar.
Por conta do episódio, Tabucchi recusou o convite que já havia aceitado para ser um dos autores estrangeiros de destaque na FLIP, há alguns anos atrás, em protesto contra a recusa brasileira em extraditar Battisti. Apesar de amar o Brasil, segundo ele, não poderia prestigiar um evento em um país que acolhia um bandido.
Admirável, a postura do escritor. Abrir mão de comparecer a um evento tão importante como a FLIP, abrir mão de ver e rever seus leitores, e de expandir ainda mais sua obra para realizar um protesto político não é um fato comum hoje em dia, quando a maioria dos escritores prefere o silêncio e a indiferença frente aos grandes problemas mundiais.
Tabucchi faria aniversário hoje, dia 24 de setembro. Morreu em março deste ano, provavelmente em Lisboa, onde vivia a maior parte do tempo, ele que era o maior tradutor para o italiano da obra de Fernando Pessoa. E dele li, recentemente, o livro ‘Está Ficando Tarde Demais’, um romance epistolar em que o autor elenca grande parte do seu grandioso conhecimento da literatura, da arte, da vida e da condição humana.
Neste livro, há muitas referências, todas positivas, ao Brasil, como Chico Buarque e Guimarães Rosa, por exemplo. Ou seja, através de ícones de nossa cultura o escritor italiano, tão respeitado e admirado no mundo todo,  desenvolveu  uma grande admiração pelo Brasil, o que reforça ainda mais a importância do seu ato de desagravo diante de um desrespeito tão explícito, tão gratuito, tão indigno, tão inexplicável, ao seu país de origem.
Perdoem-me os militantes e nacionalistas exacerbados, mas entre um governante brasileiro que faz apologia da ignorância e que é considerado o maior de todos os tempos por seu povo (uma espécie de Messias libertador que hoje passa seus dias a tentar provar, ao negar o Mensalão, que o mar não existe) e um escritor italiano que defende, com seu ato simples, mas tão significativo, a soberania de seu país diante da agressão de um outro, fico com o segundo.
Cada um deixa de si a imagem daquilo de que é feito.
Benilson Toniolo

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

SARAU INCLUSIVO SENAC - 22/09/12

A literatura jordanense continua abrindo espaços graças ao trabalho hercúleo de pessoas que têm a convicção de que todos, sem exceção, têm direito à cultura e a todas as formas de manifestação artística.
Desta feita estive no SENAC, convidado pela Tânia Sanvezzo e pela vereadora Joaquina, para participar de um Sarau que fez parte do Dia da Responsabilidade Social promovido por aquela instituição.
Além das atividades ligadas à Cidadania, este ano foram inseridos na programação a Feira de Troca de Livros (com grande público, acima dos anteriores, dos quais também participei, mas como "trocador") e o Sarau.
E o que posso dizer, além da emoção indizível de encontrar a Mônica com sua generosidade que tão bem a caracteriza, me recebendo de braços e sorrisos abertos, e ver gente vinda de Pindamonhangaba, de Lorena, de Guaratinguetá, para participar do evento?
O que dizer de ver a dona Vanda lendo em braille meus poemas "Chamar e Amor" e "Esguelha", além de textos de Vinicius de Moraes e Mario Quintana?
O que dizer de ler com a lindíssima menina Flora, que leu em linguagem de sinais, os poemas de Cora Coralina, entre eles, a 'Oração do Milho'?
O que dizer de ver o Hino de Campos do Jordão "cantado" na linguagem de sinais?
Para o golpe de misericórdia, o público -que participou também lendo composições próprias- pediu que eu lesse um dos poemas que fiz a seo Benício, citados por Joaquina, e que consta no 'Sandálias Paternas E Outros Poemas'. 
Ao final, muitas fotos, muitos abraços, e a doação dos meus cinco livros para o acervo da Biblioteca do SENAC.
Um dia inesquecível, que já tem lugar reservado na estante da memória.
Obrigado a todos, e principalmente à Literatura, a quem já devia tanto, e cujo débito de minha parte só faz aumentar. Felizmente.

                                         Panorâmica de parte do público


                                         A linda dona Vanda (à minha direita) e Joaquina


                                           Literatura pela Inclusão


                                         Joaquina traduzindo minhas "viagens"...

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

LANÇAMENTO DO LIVRO "CASOS AO ACASO", 14/09/2012

                                                     Casos ao Acaso, publicado pela Literasas

Os acontecimentos que envolveram o lançamento do meu primeiro livro de Contos se constituíram em um verdadeiro festival de agradabilíssimas surpresas.
O apoio da Secretaria Municipal de Cultura, por exemplo, inserindo o lançamento durante a Exposição da Primavera, representado pelo Helinho, Secretário interino, amigo novo, parceiro novo, um homem que escancara portas que haviam sido abertas pela Flávia Guimarães, que sem nem sair do cargo já deixa uma saudade indizível.
A presença da Ericka Antunes, dona da Literasas, que saiu lá de Guaratinguetá para prestigiar o evento, sem avisar e me proporcionando um sorriso a mais no meu já imenso arsenal de alegrias.
A receptividade da obra, que em quatro dias me obrigou a pedir à Ericka nova remessa para dar conta dos pedidos.
E tantos amigos, tantos abraços, tantos cumprimentos...
Ao final da noite, só me ocorriam a lembrança de uma festa certamente imerecida e, lá longe, a melodia de Violeta Parra: 'gracias a la vida,m que me ha dado tanto...'

                                          Com Flávia Guimarães e o pequeno Hélio Augusto


                      Com Ericka Antunes, dona da Literasas, e seu marido Hans, direto de Guaratinguetá


                            Panorâmica do público presente ao lançamento do livro e à Exposição da Primavera


                                         Família que lança livro unida...


Abaixo, o texto que abre o livro:



A GALINHADA


Tudo começou porque a Laura, que não entrava na cozinha nem pra fritar ovo e não concebia o mundo sem uma cozinheira agregada às instituições familiares, resolveu preparar no almoço uma galinhada para a sogra, que em poucos dias chegaria de viagem. O Ednardo estranhou.
- Galinhada?
- Será que ela come?
- Bom, acho que come, não sei. Já vi mamãe comer frango de todo jeito, assado, frito, ensopado. Mas galinha?
- Pra mim é tudo a mesma coisa.
- Bom, isso sim. No mínimo, derivado. Mas não sei...
- Não sabe o quê?
- Essa, agora, de preparar galinhada pra mamãe. Você nunca foi disso...
- Fizeram uma outro dia, no escritório, e estava di-vi-na. Peguei a receita com a cozinheira e acho que consigo fazer. É tão simples, Ednardo!
- Não, quanto a você preparar a comida, tudo bem. A gente corre o risco. O que está estranho é você resolver fazer isso logo pra mamãe.
- Mas homem é tudo igual, mesmo. Uma hora você diz que sou antipática, não dou atenção pra sua mãe, não converso, não ligo pra ela. Quando eu resolvo dar uma inovada, acha estranho.
- Não, tudo bem, imagina. Estranho não é bem o termo. Diria... suspeito, talvez.
- Deixa disso, você me conhece. Sabe que sou assim mesmo.
- Certo, certo. Não, tudo bem. Assim mesmo.

                                                ***
- Galinhada? Sua mulher vai preparar uma galinhada pra mim?
- Pois é, mamãe. Não é ótimo?
- ...
- Mamãe?
- Não sei, não, Nardo. Acho estranho. Sua mulher nunca foi com a minha cara, e agora vem com essa história de galinhada...
- Mamãe, você precisa ver a animação da Laura em fazer esta, digamos, homenagem pra senhora.
- Homenagem o quê, Nardo. Ela tá é de sacanagem. Inventou essa história pra me provocar, lembra aquela vez em que disse que me achava uma perua?
- Ela não falou isso, mamãe...
- Falou, sim, e logo no Salão de Beleza que eu freqüento. Mas caiu do cavalo, né? Nunca que ela ia adivinhar que eu sou cliente VIP daquele lugar, né, meu filho, e que as meninas me contam tudo o que acontece lá.
- Mas isso faz tanto tempo, mamãe.
- Para uma mágoa como essa o tempo não passa, Nardo. Eu que sei.
- Bom, mamãe, mas então é isso que eu queria te falar. Está feliz?
- Estou feliz porque vou estar com você e com meu netinho, e não estou nem aí pra galinha nenhuma. Nenhuma, ouviu bem?
- Também acho que vai ser maravilhoso, mamãe. Não esquece de ligar quando estiver chegando.
- Nardo, espera, deixa eu te falar uma coisa.
- Fala, mamãe.
- A Laura deu pra antropofagia, agora?

                                                     ***
- Quanto eu compro de galinha, Nardo?
- Quê?
- A galinha, pra galinhada da sua mãe. Quanto eu compro?
- Depende do peso.
- Peso de quem? Da sua mãe ou da galinha?
- Pára, Laura, não começa.
- Brincadeira, ô, só pra te fazer tirar a cara de dentro dessa revista.
- Não faço a mínima idéia.
- Acho melhor perguntar pro cara do açougue, ou do supermercado.
- Laura, pelo que eu saiba, galinha se compra em avícola.
- Ednardo, em que mundo você vive, meu bem? Avícola? Avícola não existe mais, agora é tudo no Supermercado!
- Então vai no Supermercado, ué. E sei lá, compra dois quilos de galinha, talvez três, não sei.
- Com ou sem miúdos?
- Minha mãe gosta muito do coração de frango, compra com miúdos.
- Bom, neste caso é um miúdo só, porque galinha geralmente só tem um coração. Coração de galinha é igual a coração de frango?
- Deve ser, se são da mesma espécie, Laura. Vê aí, não sei quanto de galinha você vai comprar.
- Acho que vou telefonar e perguntar.
- Isso, querida, faça isso, ela vai adorar! 
- Não pra sua mãe, Ednardo. Vou ligar pra cozinheira lá do escritório!

                                                            ***
Um dia antes a mãe ligou dizendo que não poderia mais viajar, por conta de uma indisposição estomacal, e o médico havia recomendado, além do repouso, que ela não ingerisse frituras, sal em excesso e qualquer tipo de carne por tempo indeterminado. A Laura ainda tentou convencer o marido a viajarem até a casa da sogra e comer a galinhada lá mesmo, mas ele achou melhor não. Assim que desligou o telefone, o Ednardo foi até a geladeira, pegou uma cerveja e refestelou-se no sofá, sozinho, pra ver se descansava um pouco.



Livro: Casos ao Acaso
Gênero: Contos
Editora: Literasas
Páginas: 129
Prefácio: Isabel Furini
Preço: R$ 30,00