Casos ao Acaso, publicado pela Literasas
Os acontecimentos que envolveram o lançamento do meu primeiro livro de Contos se constituíram em um verdadeiro festival de agradabilíssimas surpresas.
O apoio da Secretaria Municipal de Cultura, por exemplo, inserindo o lançamento durante a Exposição da Primavera, representado pelo Helinho, Secretário interino, amigo novo, parceiro novo, um homem que escancara portas que haviam sido abertas pela Flávia Guimarães, que sem nem sair do cargo já deixa uma saudade indizível.
A presença da Ericka Antunes, dona da Literasas, que saiu lá de Guaratinguetá para prestigiar o evento, sem avisar e me proporcionando um sorriso a mais no meu já imenso arsenal de alegrias.
A receptividade da obra, que em quatro dias me obrigou a pedir à Ericka nova remessa para dar conta dos pedidos.
E tantos amigos, tantos abraços, tantos cumprimentos...
Ao final da noite, só me ocorriam a lembrança de uma festa certamente imerecida e, lá longe, a melodia de Violeta Parra: 'gracias a la vida,m que me ha dado tanto...'
Com Flávia Guimarães e o pequeno Hélio Augusto
Com Ericka Antunes, dona da Literasas, e seu marido Hans, direto de Guaratinguetá
Panorâmica do público presente ao lançamento do livro e à Exposição da Primavera
Família que lança livro unida...
Abaixo, o texto que abre o livro:
A GALINHADA
Tudo
começou porque a Laura, que não entrava na cozinha nem pra fritar ovo e não concebia
o mundo sem uma cozinheira agregada às instituições familiares, resolveu
preparar no almoço uma galinhada para a sogra, que em poucos dias chegaria de viagem.
O Ednardo estranhou.
-
Galinhada?
-
Será que ela come?
-
Bom, acho que come, não sei. Já vi mamãe comer frango de todo jeito, assado,
frito, ensopado. Mas galinha?
-
Pra mim é tudo a mesma coisa.
-
Bom, isso sim. No mínimo, derivado. Mas não sei...
-
Não sabe o quê?
-
Essa, agora, de preparar galinhada pra mamãe. Você nunca foi disso...
-
Fizeram uma outro dia, no escritório, e estava di-vi-na. Peguei a receita com a
cozinheira e acho que consigo fazer. É tão simples, Ednardo!
-
Não, quanto a você preparar a comida, tudo bem. A gente corre o risco. O que
está estranho é você resolver fazer isso logo pra mamãe.
-
Mas homem é tudo igual, mesmo. Uma hora você diz que sou antipática, não dou
atenção pra sua mãe, não converso, não ligo pra ela. Quando eu resolvo dar uma
inovada, acha estranho.
-
Não, tudo bem, imagina. Estranho não é bem o termo. Diria... suspeito, talvez.
-
Deixa disso, você me conhece. Sabe que sou assim mesmo.
-
Certo, certo. Não, tudo bem. Assim mesmo.
***
-
Galinhada? Sua mulher vai preparar uma galinhada pra mim?
-
Pois é, mamãe. Não é ótimo?
-
...
-
Mamãe?
-
Não sei, não, Nardo. Acho estranho. Sua mulher nunca foi com a minha cara, e
agora vem com essa história de galinhada...
-
Mamãe, você precisa ver a animação da Laura em fazer esta, digamos, homenagem
pra senhora.
-
Homenagem o quê, Nardo. Ela tá é de sacanagem. Inventou essa história pra me
provocar, lembra aquela vez em que disse que me achava uma perua?
-
Ela não falou isso, mamãe...
-
Falou, sim, e logo no Salão de Beleza que eu freqüento. Mas caiu do cavalo, né?
Nunca que ela ia adivinhar que eu sou cliente VIP daquele lugar, né, meu filho,
e que as meninas me contam tudo o que acontece lá.
-
Mas isso faz tanto tempo, mamãe.
-
Para uma mágoa como essa o tempo não passa, Nardo. Eu que sei.
-
Bom, mamãe, mas então é isso que eu queria te falar. Está feliz?
-
Estou feliz porque vou estar com você e com meu netinho, e não estou nem aí pra
galinha nenhuma. Nenhuma, ouviu bem?
-
Também acho que vai ser maravilhoso, mamãe. Não esquece de ligar quando estiver
chegando.
-
Nardo, espera, deixa eu te falar uma coisa.
-
Fala, mamãe.
-
A Laura deu pra antropofagia, agora?
***
- Quanto
eu compro de galinha, Nardo?
-
Quê?
-
A galinha, pra galinhada da sua mãe. Quanto eu compro?
-
Depende do peso.
-
Peso de quem? Da sua mãe ou da galinha?
-
Pára, Laura, não começa.
-
Brincadeira, ô, só pra te fazer tirar a cara de dentro dessa revista.
-
Não faço a mínima idéia.
-
Acho melhor perguntar pro cara do açougue, ou do supermercado.
-
Laura, pelo que eu saiba, galinha se compra em avícola.
-
Ednardo, em que mundo você vive, meu bem? Avícola? Avícola não existe mais,
agora é tudo no Supermercado!
-
Então vai no Supermercado, ué. E sei lá, compra dois quilos de galinha, talvez
três, não sei.
-
Com ou sem miúdos?
-
Minha mãe gosta muito do coração de frango, compra com miúdos.
-
Bom, neste caso é um miúdo só, porque galinha geralmente só tem um coração. Coração
de galinha é igual a coração de frango?
- Deve
ser, se são da mesma espécie, Laura. Vê aí, não sei quanto de galinha você vai
comprar.
-
Acho que vou telefonar e perguntar.
-
Isso, querida, faça isso, ela vai adorar!
-
Não pra sua mãe, Ednardo. Vou ligar pra cozinheira lá do escritório!
***
Um
dia antes a mãe ligou dizendo que não poderia mais viajar, por conta de uma
indisposição estomacal, e o médico havia recomendado, além do repouso, que ela não
ingerisse frituras, sal em excesso e qualquer tipo de carne por tempo
indeterminado. A Laura ainda tentou convencer o marido a viajarem até a casa da
sogra e comer a galinhada lá mesmo, mas ele achou melhor não. Assim que
desligou o telefone, o Ednardo foi até a geladeira, pegou uma cerveja e refestelou-se
no sofá, sozinho, pra ver se descansava um pouco.
Livro: Casos ao Acaso
Gênero: Contos
Editora: Literasas
Páginas: 129
Prefácio: Isabel Furini
Preço: R$ 30,00