segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

COQUINHO, O ARTILHEIRO DA PRAIA

Benilson Toniolo

                                                       

A bola vinha da direita. Escanteio. O Digo ia bater, e ele só sabia bater por cima. Às vezes ele ia enfileirando os caras pela ponta, e na hora de cruzar o Coquinho se posicionava no meio da área e pedia a bola à meia-altura, que era a bola que atrapalhava a defesa. Cruza baixo, Digo, caralho. E lá vinha a bola pelo alto. Coquinho não era bom de cabeça. Se atrapalhava, perdia o tempo da bola, subia antes, descia antes, e quando estava descendo é que a bola estava chegando lá em cima. Coquinho não alcançava. Cruza baixo, Digo. Muita gente na área, que era o risco que a molecada fazia com um pedaço de pau qualquer, na areia da praia, imitando um campo de verdade. Coquinho foi chegando depois dos demais pra confundir a marcação, sabia que o Digo demorava pra bater. Se chegasse antes, o zagueiro colava nele, ficava difícil encontrar espaço, até a bola vir tinha que ficar brigando por espaço. Nos escanteios, sempre chegava depois. Com o tempo, parou de subir pra disputar o cabeceio. Sabia que perderia. Tinha dezoito anos e contava só um gol de cabeça na vida, ainda sim em gol caixote, na pelada do meio da rua. Depois aquilo foi aborrecendo. Não ganhava uma por cima, os companheiros de time reclamavam. Sobe direito, Coquinho. Coquinho subia, e não ganhava uma. Subia de novo, e nada. Não achava o tempo da bola. Tinha tentado treinar as cabeçadas no quintal de casa, mandava o irmão mais novo jogar a bola bem alta na direção dele, pra ele subir e meter a testa. Às vezes o menino mandava alta demais, ou baixa demais, ele reclamava. Joga essa bola direito, moleque, na altura da minha testa. O menino jogava na altura do nariz, do queixo, do pescoço, mas não chegava na testa. O menino não tinha força. Então ia para a parede, quem errava era ele. Jogava a bola na parede para tentar cabecear na volta. Não dava. Alta demais, baixa demais. Tinha que resolver aquilo. Não existe jogador profissional que não saiba cabecear. Ainda mais centroavante. Tu quer ser centroavante que nem o Chulapa, que nem o Juari? Então vai ter que apreender a usar a cabeça. Foi desistindo. Optou por uma saída tática: nos jogos, fingia que ia pular, o marcador ia, cortava o cruzamento e ele ficava. Não deu certo. Já tinha falado pro Digo, que cruzava da direita, e pro Peu, que cruzava da esquerda: cruza baixo. Pode deixar. Pode deixar, uma ova. Lá vinha aquela lua na direção dele. Subir, até que subia. Nunca pegava nada. Bom, uma vez acertou a bola, que veio com muito efeito, bateu na parte de cima da cabeça (no cucuruto) e saiu bisonhamente por cima do gol. Foi feio, a molecada riu. Voltava pra buscar jogo, se deslocava, tentava entrar tabelando com o pessoal que vinha de trás, batia bem de pé direito. O esquerdo era praticamente uma nulidade, mas o direito compensava. Habilidoso, prendia bem a bola, segurava lá na frente, tinha velocidade. Era só não jogar por cima que estava tudo certo. E lá vinha o escanteio. Ficou atrás do último zagueiro, um pouco antes da marca do pênalti, entre a marca do pênalti e a linha que delimitava a grande área. Finzinho de jogo, três a três, todo mundo já meio com a língua de fora, e ele passando em branco. Já não tinha marcado no jogo da semana passada. Centroavante que não faz gol está pedindo pra deixar o time. O Digo demorando pra bater, e Coquinho ali, um migué danado, dando de morto pra comer o coveiro. O Digo correu, pela troca de pés ia bater com o direito, que esquerdo ele também não tinha. Aliás, na praia quase ninguém era canhoto. Era outra coisa que tinha que aperfeiçoar no futuro, a habilidade com o pé esquerdo. Ela veio alta demais, o goleiro saiu, não alcançou. Ia sobrar para ele, o centroavante. O zagueiro adversário se deslocou de costas em sua direção, e com a mão direita o Coquinho o tirou do lance com um empurrão leve. Se alguém pediu falta, ele não ouviu. Bora. A bola caiu no pé esquerdo, ele dominou e trouxe pro direito. Tudo muito rápido. O zagueiro da cobertura veio, ele puxou pro pé esquerdo e tirou o cara. Veio o seguinte, a mesma coisa: tocou pro esquerdo, veio em velocidade, trouxe pro direito e o cara ficou. O terceiro veio no carrinho, ele tirou do mesmíssimo jeito com que tinha driblado os dois primeiros. Fez tudo isso olhando para o chão, para os pés que trocavam a bola de lugar a cada drible. Sim, tudo muito rápido. Quando olhou adiante estava na frente do gol, teve a impressão que o goleiro sairia para abafar, mas ele ficou. Ainda ouviu a voz do Guto, que era meia e raramente aparecia pra concluir: “toca!”. Tinha duas opções pra finalizar: alto, pra tentar encobrir o goleiro de boa estatura, ou de três dedos, rasteiro, no canto oposto, com o risco de algum zagueiro aparecer para tirar de carrinho. Pensou nos três adversários que tinha acabado de deixar para trás (quatro, se contar o do empurrão) e bateu de chapa, com a categoria habitual, no contrapé. Caixa. Gol. Golaço. Golaço, caralho. Saiu comemorando pelo mesmo lado da finalização, correndo de braços abertos e sem camisa sobre a areia escura da praia, a sombra dos refletores sobre a areia denunciando que estava fora de forma, braços abertos sob o céu, riso na cara, os companheiros de time correndo atrás, que golaço, que gol lindo, deixou o time deles no chão, puta golaço, Coquinho. Se foderam, seus trouxas. Para ele, era o desafogo. Craque é isso aí. Pode passar o jogo inteiro sem produzir, mas chega na hora de decidir não tem pra ninguém. Gol do Santos. A Vila Belmiro explode com um golaço de Coquinho, o menino que saiu da Bacia do Macuco pra fazer história com a gloriosa camisa alvinegra. Que cabeça, o quê. Era bom com seu pé direito. Quando caía no pé bom, ninguém pegava. Pode botar Carlos, Paulo Sérgio, Cantarelli, Valdir Peres, Leão, pode botar quem for. Na sua cabeça vinha a voz do Osmar Santos: “é fogo no boné do guarda, e que gooooooooooooooooollll!”. Quatro a três, acabou o jogo. Desmontar as traves pra guardar na guarita do zelador do prédio, pegar a roupa atrás do gol, guardar a bola, ajudar os caras a desmontar o campo. Já já são dez da noite, vão apagar as luzes da praia. Não foi tomar cerveja com os colegas de time nos bares do Canal 4, que o dinheiro que tinha no bolso só dava para pegar o trólebus. Dia seguinte era quarta-feira, dia de ver se tinha algum bico pra fazer e arrumar um troco, que aquela vida era dura, principalmente depois que o pai saiu embarcado e não voltou mais, depois de quase dez anos. Vai trabalhar, moleque, diria a mãe na manhã seguinte. Não quero saber de vagabundo dentro de casa. E o Coquinho ia, sem experiência de trabalho, ajudar na feira da Glicério, ajudar a carregar carrinhos e sacolas no mercado, que era o que lhe cabia. Carregamento de frutas, de verduras e de legumes na mercearia do japonês. Dava um troco por dia, se chegasse cedo. Até chegar o dia em que abriria vaga pra fazer teste no Santos. Peneira. Aí eles iam conhecê-lo, já no primeiro teste. Primeiro, tinha que treinar muito o cabeceio. E o pé esquerdo, que pelo jeito ia dar menos trabalho. Coquinho, o menino da Bacia do Macuco que ia fazer história na Vila. O que uma noite tinha deixado três (três não, quatro) zagueiros no chão antes de, com categoria, dar a vitória ao seu time de praia. Que, no fundo, ele sabia que se chamava Santos Futebol Clube.

domingo, 29 de dezembro de 2013

DOUTOR RAY-LLANDER, PROFESSOR DE TOLERÂNCIA


Benilson Toniolo

Tenho um ‘amigo’ na rede social chamado Ray-Llander Fagundes. Não é erro de digitação, não, o nome dele é esse mesmo. Ray-Llander. Deve ser uma variação daquele personagem de cinema que não morria nunca. Aliás, Ray-Llander, talvez influenciado pelo nome que escolheram para ele, também deve achar que é imortal. Pela sua forma de agir, aliás, imagino que pense assim. Ninguém vem ao mundo com um nome desses impunemente, ora bolas.
Ray-Llander posta na internet muitas fotos de si mesmo, e sempre fotos em que ele aparece sozinho, nunca olhando para a câmera, tendo por fundo uma paisagem do exterior. Pirâmides do Egito, canais de Veneza, Louvre, Capitólio, safáris na África, palácios russos, Taj-Mahal, cais de Cuba, o diabo. Ray-Llander está em todas, e em todos os lugares. Quando a gente menos espera, ei-lo na tela à frente. Deve ser médico, porque em algumas fotos (as que tira em solo tupiniquim) aparece de jaleco branco e estetoscópio. Ray, ou Llander, é um sujeito importante. Viaja muito. Deve ter mais milhas obtidas em viagens internacionais nos seus inúmeros cartões de crédito do que eu, de vôos domésticos.
Diz ser escritor. E assume esta condição com a mesma convicção com que eu evito dar a mim mesmo este título. Ser escritor é coisa séria. É quase como um sacerdócio. Subir em um altar com a Bíblia nas mãos para tentar decifrar à turba o que é que Deus quis dizer com isto ou aquilo é tarefa para pouquíssimos –ou para loucos. Dizer-se escritor é quase a mesma coisa. Dizer-se escritor significa assumir que esta é a sua profissão, e que erros de gramática, por exemplo, comum a todos os mortais, não lhe ocorrem jamais. Coisa para loucos. Ray-Llander não. Ele não erra nunca.
Algumas de suas postagens me incomodam. Recentemente, ele disse que não há nada mais desprezível que um escritor que paga para publicar seus livros. Como se trata do meu caso –e de, certamente, 95% dos casos de quem escreve livros no Brasil, achei que era o caso de responder à postagem informando-o da injustiça, da indelicadeza, que estava cometendo. Nesse dia, quase pedi a ele que me devolvesse o livro que um dia lhe enviei pelos Correios, e que ele nunca acusou recebimento. Mas fiquei quieto, por achar que não valia a pena ‘comprar uma briga cibernética’ que certamente traria a mim, pobre mortal, mais prejuízos que a ele, que está acima de todas as coisas.
Engoli mais este batráquio que veio do Nordeste, onde vive Llander, o escritor que não precisa pagar para publicar seus livros.
Outra postagem que me chamou a atenção é a que ele qualifica José Dirceu e sua quadrilha como ‘heróis do povo brasileiro’. Perguntei-lhe por qual motivo dedicava tamanha admiração e subserviência a políticos que foram acusados, investigados, julgados e presos por formação de quadrilha, evasão de divisas, improbidade administrativa e outros crimes contra a Nação. Ele respondeu, entre outras coisas, que tratam-se de pessoas que trazem em sua história de vida o fato de terem integrado as guerrilhas que lutaram contra a ditadura militar, tendo sido inclusive torturadas e exiladas pelo regime. Perguntei se este histórico dava a elas o direito de surrupiar dinheiro público para comprar apoio de parlamentares ao governo Lula, e ele respondeu que eu, como membro de uma elite branca e paulista que busca anular os avanços conquistados pelo governo PT, sou mais um influenciado pela mídia fascista e de direita, revoltada com o fim dos nefastos privilégios imposto pelo presidente Lula, que acabou por alçar o Brasil ao posto de potência indiscutível e irremediável no cenário mundial. Tá, mas e o mensalão? ‘Nunca existiu’, disse ele.
Nos últimos dias, atingiu o ápice. Escreveu lá em sua página pessoal que o ódio que as elites têm de Lula é maior do que o ódio dos alemães aos judeus. Não dá pra comentar. Nem pra levar a sério.
Ray-Llander é danado. Traduz para o inglês os próprios livros, execra todo aquele que é contra seu credo (principalmente o político) e ultimamente tem postado fotos recebendo cumprimentos em clubes literários. Está sempre muito bem acompanhado nas fotografias. Mas continua olhando de lado, sem encarar a câmera. Faz de conta que receber cumprimentos, posar para fotos no exterior faz parte do seu cotidiano. E deve fazer, mesmo.
No fundo, o mais provável seria pensar que o Doutor Ray-Llander não passa de um factóide, um personagem que alguém tenha criado para atazanar a vida dos outros que, como eu, prestam atenção no que as pessoas têm a dizer. Com um nome desses, e com posicionamentos deste teor... mas não. Ele existe, pensa, trabalha e se posiciona. E adora aparecer em fotografias.
Estive a ponto, mais de uma vez, de excluí-lo de minha rede de contatos. Seria a atitude mais fácil: bloqueio, deleto, elimino, excluo, e pronto, me vejo livre de suas postagens. Seria a saída mais confortável –e a mais covarde também.
Se por um lado ninguém é obrigado a conviver com quem não simpatiza, por outro não é de bom alvitre simplesmente fingir que não existe alguém que não comunga do mesmo pensamento que nós. Não foi isso que aprendi ao longo da vida. Não é isso que tento aprender e incorporar a cada dia. Não é esse tipo de pensamento e postura que pretendo deixar de exemplo aos meus filhos.
Portanto, não excluirei o Doutor Ray-Llander Fagundes de minha rede de contatos na internet. Estou ciente de que continuar com ele ainda vai me trazer muitos dissabores, caso ele continue agindo da forma que age. Mas vai me proporcionar também praticar com freqüência o exercício da tolerância, do respeito à opinião alheia, da convivência pacífica entre iguais que pensam diferente. E vai me permitir trocar boas porradas ideológicas, pelo menos virtualmente.
Por isso vou continuar acompanhando o que se passa pela cabeça deste meu ‘amigo’. No mínimo, ele me auxiliará a elaborar melhor os meus pontos-de-vista. E a entender que ninguém, muito menos eu, e muito menos ele, somos donos da verdade.
Às armas, 'companheiro'!

A IMORTALIDADE POR MERECIMENTO

Benilson Toniolo

Existem dois brasileiros, atualmente, a quem a imortalidade, se existisse, cairia muito bem: Ariano Suassuna e Manoel de Barros.
O primeiro, recém egresso de um infarto e de duas internações hospitalares que deixaram em polvorosa o meio cultural brasileiro, acaba de aceitar o convite do Governador de Pernambuco, Eduardo Campos, para coordenar a elaboração do plano de políticas culturais e educacionais do seu programa de governo, pré-candidato que é à Presidência da República nas eleições do próximo ano. Além disso, anunciou que pretende sair às ruas em campanha pela candidatura do neto, João Suassuna (homônimo do pai de Ariano, assassinado em 1930 por forças políticas adversárias que também haviam acabado de matar João Pessoa, no Rio de Janeiro, por motivos até hoje mal explicados), a deputado federal. Suassuna, um verdadeiro guardião da cultura brasileira, tão logo recuperou minimamente a saúde, retomou suas aulas-espetáculo em todo o Brasil, multiplicando sua sabedoria e seus ensinamentos para ouvintes de todos os recantos e sotaques. Recentemente alguém definiu suas apresentações como ‘stand-up comedy’. Para quem conhece a obra do paraibano o mínimo que seja, sabe o quanto o ofenderia esta definição totalmente desprovida de bom-senso. Seria como chamar Bill Clinton de nordestino. Valter Hugo Mãe, dia desses, contou que fez uma visita a Ariano em sua casa, no Recife, durante sua participação na última Fliporto, e saiu de lá ‘em choque’, ao contar que Ariano, em determinado momento, olhou-o fixamente e vaticinou: ‘Eu não pretendo morrer’. A julgar pela retomada de sua vida pública, é bom que ninguém duvide que Ariano Suassuna seja capaz de derrotar Caetana, como intitula a morte.
Já o mato-grossense Manoel de Barros resistiu como poucos à morte de João, seu filho mais velho, ocorrida há cerca de sete anos num desastre aéreo. Recluso em sua fazenda no Pantanal, continua, do alto de seus quase cem anos de vida, a escrever, criar e a observar as ‘coisas e acontecimentos desimportantes’ do mundo, que recolhe e transforma em poesia –uma poesia inédita, forte, intensa, viva e identificada com aquilo que o Brasil tem de mais valoroso, que é o seu povo.
Justiça houvesse no mundo, Ariano e Manoel já teriam sido reconhecidos, no mínimo, com o Prêmio Nobel de Literatura. Caberia uma ação efetiva do Governo brasileiro na indicação de ambos para que fossem reconhecidos mundialmente por sua luta em prol da cultura deste País. Mas como estamos muito preocupados com campeonatos de futebol, muito provavelmente o máximo que os governantes dediquem aos dois seja um lacônico e protocolar anúncio de pêsames em suas exéquias.
Isso, somente quando estes dois guerreiros se derem por satisfeitos e resolverem dar trégua a Caetana. O que, pelo jeito e felizmente, para o bem da cultura e do povo brasileiro, ainda vai demorar muito para acontecer.

Manoel de Barros

Ariano Suassuna
                         

                                             




sábado, 21 de dezembro de 2013

AMÉM

                                                          Benilson Toniolo


A literatura é o resultado de um diálogo de alguém consigo mesmo (José Saramago)

No fundo, sou mesmo praieiro. Praieiro de pé no chão: na lama, no asfalto escaldante, na areia da praia, no alto das pedras, na beirada da água, onde a arrebentação não alcança. Com o suor escorrendo o dia inteiro pelo corpo, a testa ensebada, a vista a perder de vista pela linha reta do horizonte mais adiante.
No fundo, sou litorâneo. O mar me fez poeta, com seus mistérios e vertigens. O balanço das barcas do estuário, as ostras enclausuradas, os peixes nos barcos, as redes esticadas ao longo do dorso oceânico.
No fundo, sou caiçara. Respeito Iemanjá e seus filhos que se atiram nas águas ainda de madrugadinha, quando só a lua vela por todos, do alto de sua morada no céu infinito.
Catei siris ao pôr-do-sol, joguei muita bola pelas ruas de terra e pelas faixas de areia escura, vi o afogado passar bem ao lado da catraia. Namorei nos bancos da praia, fotografei turistas, cismei no quebra-mar da Ponta das Galhetas, tive medo de morrer nas pedras do Guaiúba.
Emudeci diante da visão do Monte Serrat.
Chorei de tristeza e de alegria nas arquibancadas da Vila, o uniforme branco maculado pela derrota mais humilhante e canonizado na vitória mais consagradora.
Bebi cerveja nas Bocas, joguei  sinuca no Marapé, amanheci esperando os ônibus do Macuco.
No fundo, é de lá que eu sou.
Das quebradas do Itapema, da Vila Zilda, Jardim dos Pássaros. Jabaquara. Aparecida, Boqueirão, Embaré, Encruzilhada.
Vô e vó no Saboó e pai na Areia Branca. Conheço. É de lá que eu sou.
Das lindezas das Astúrias, da praia de Pernambuco, das amizades da Santa Rosa, da Pouca Farinha.
Sou o gordo do coleginho, sou eu mesmo. O louco por bola, o que queria ser goleiro e era míope, o que sofreu quando os amigos partiram, sabe Deus para onde.
O que ficou devendo, o que não arrumava emprego, o que queria voar.
O que mentiu e acreditou, o que cantou árias pra lua, o que quis morrer e teve medo de tentar.
No fundo, sou isso mesmo.
E é para lá que eu volto, por estes dias que ainda restam do ano de dois mil e treze. Com mulher e filhos, a celebrar com a mãe e o irmão a festa do Natal.
Volto diferente, que muitos anos se passaram desde que vim para a montanha. Mas eu volto porque preciso. De descanso, de repouso, de silêncio, de estar com aqueles que amo. Há quem diga que o que é busco é o retorno ao útero materno. Pode ser, não desminto. Aquela história de segurança, de vínculo, etc. Pode ser. Chamem como quiser, o que eu quero é estar em casa.
No porta-malas levo livros para os amigos e a cabeça pronta para novas memórias.
Passado o Natal volto para a Montanha, que é o lugar que agora me cabe, e onde pretendo ficar.
Venham comigo, meus amigos, meus irmãos: a vida é apenas aquilo que somos, com todos os vícios e virtudes  de que somos feitos. O resto é péssima literatura.
Na época da celebração do nascimento de Cristo (que, afinal, é o dono da festa), é para minha mãe que volto. Mãe-terra, mãe-cidade, mãe-gente.

Que Deus nos abençoe.

sábado, 14 de dezembro de 2013

CURITIBA: AMIGOS NOVOS, NOVAS SAUDADES

Benilson Toniolo


Disse Cervantes que ‘aquele que lê muito e anda muito, vê muito e sabe muito’. Não tenho esta pretensão toda, mas o fato é que gosto muito de viajar. De ônibus, de trem, de avião, automóvel. Infelizmente tive que adiar uma viagem que planejava, e que duraria mais de 40 horas, no lombo de um ônibus, até União dos Palmares, interior de Alagoas e terra de meu pai, que faria agora em janeiro próximo, em razão das avarias no joelho esquerdo. Mas a idéia continua de pé. Será uma orgia literária. Quarenta horas dentro de um ônibus, já imaginaram a quantidade de poemas a escrever e a ler? Mas o fato é que o calor do verão nordestino também assusta, e não desejo chegar a União vindo do conforto de um vôo tranqüilo ou de ônibus-leito. Desejo sentir cada metro da estrada, cada enfado e cada descoberta, cada imagem e até mesmo cada irritação. Mas e os riscos de assaltos no meio da estrada? Todos os passageiros nus – os que sobraram, evidentemente, vivos- enfiados no bagageiro, como fazem no chamado ‘polígono da maconha’, que vai da Bahia até Pernambuco? Com a canícula nordestina? Melhor esperar.
O que não acontece aqui em Curitiba, onde no momento me encontro para receber a Medalha do Mérito Cultural 2013, a mim atribuída pelo pessoal do Movimento Poetizar o Mundo, comandado pela professora Isabel Furini. Aqui é frio. Lembra muito Campos do Jordão, não só pelo clima como também pela onipresença dos pinheiros. A bandeira da cidade é muito parecida –diria idêntica- à nossa.
A entrega da medalha foi ontem, durante um evento cultural que contou com a abertura de uma exposição de quadros, fotografias e leitura de poemas de artistas paranaenses. Chamava-se Perspectivas, a exposição. O local é um centro gastronômico-cultural, chamado Alberto Massuda, no centro histórico de Curitiba. Boas conversas sobre arte, política, cultura, história. Gente boníssima, do tipo que oferece carona para te levar de volta ao hotel. Aceito, obrigado. Na agenda para o ano que vem, promover intercâmbio entre artistas jordanenses e curitibanos. Derrubei espumante em um prato de patês que fazia parte do coquetel. Me desculpei com o garçom.
Saí para o aeroporto ainda escuro, antes das cinco da manhã. Às onze, já estava em casa, sendo recebido pelo cheirinho do café de Simone. As malas mais pesadas que na ida –sempre é assim- de tantos livros recebidos, presentes, camisetas. A alma repleta de novas memórias e o coração ainda se refazendo das alegrias que este encontro me proporcionou. Por tudo isso, já vale a pena o acidente de estar vivo.

Sim, ainda trago Curitiba nos olhos. E não li Leminski sobre as ruas de paralelepípedo, ocupado que estava em admirar o céu e a terra da capital do Paraná. Esqueçam a Europa. Curitiba, dependendo de quem a visita, é até melhor.