Antonio Tabucchi e charge de Fernando Pessoa
Imagine um criminoso, um
facínora execrável, um sujeito que seja
condenado pela Justiça brasileira à prisão perpétua, por ter cometido atentados criminosos,
formação de quadrilha e assassinatos, entre outros crimes. Imagine que a
Justiça brasileira tenha investido muito dinheiro, tempo, esforços e pessoal em
prender, julgar e condenar um cidadão
desta estirpe que, apesar de tudo, consegue escapar do País, indo se esconder,
por exemplo, na Namíbia. Lá, ele é localizado e preso e, apesar dos apelos do
Brasil para que ele lhe seja devolvido para que possa cumprir aqui sua pena
pelos crimes que cometeu, o Governo da Namíbia não somente nega o pedido
brasileiro, como também concede ao fugitivo o direito de lá permanecer gozando
de uma liberdade que ele, na verdade, já havia perdido. O mais elementar dos
sentimentos seria o de revolta, não é verdade? Também acho. Além do quê, com
este ato, seria como se os africanos mandassem um recado à Justiça brasileira:
nós não os reconhecemos como país, para nós sua justiça não vale nada. Seria,
no mínimo, uma afronta.
Pois foi justamente isto que
fez o governo brasileiro, ainda na gestão que antecedeu a de Dilma, com relação
ao criminoso italiano Cesare Battisti, condenado à prisão perpetua na Itália
pelos crimes elencados acima, e que hoje goza a boa vida dos justos no Rio de
Janeiro, com direito a lançamento de livro com coquetel e ser recebido em
Brasília como um homem de esquerda que lutou contra alguma coisa que até hoje
ninguém entende direito o que é.
Na Itália, o caso teve imensa
repercussão, com debates acalorados no Parlamento e nos canais de TV, a ponto
de intelectuais do porte de Umberto Eco e Antonio Tabucchi virem a público
demonstrar sua indignação contra o que chamaram de “desrespeito à soberania
italiana”. Mas é sobre Tabucchi que
quero falar.
Por conta do episódio,
Tabucchi recusou o convite que já havia aceitado para ser um dos autores
estrangeiros de destaque na FLIP, há alguns anos atrás, em protesto contra a recusa brasileira em
extraditar Battisti. Apesar de amar o Brasil, segundo ele, não poderia
prestigiar um evento em um país que acolhia um bandido.
Admirável, a postura do
escritor. Abrir mão de comparecer a um evento tão importante como a FLIP, abrir
mão de ver e rever seus leitores, e de expandir ainda mais sua obra para realizar
um protesto político não é um fato comum hoje em dia, quando a maioria dos
escritores prefere o silêncio e a indiferença frente aos grandes problemas
mundiais.
Tabucchi faria aniversário
hoje, dia 24 de setembro. Morreu em março deste ano, provavelmente em Lisboa,
onde vivia a maior parte do tempo, ele que era o maior tradutor para o italiano
da obra de Fernando Pessoa. E dele li, recentemente, o livro ‘Está Ficando
Tarde Demais’, um romance epistolar em que o autor elenca grande parte do seu
grandioso conhecimento da literatura, da arte, da vida e da condição humana.
Neste livro, há muitas
referências, todas positivas, ao Brasil, como Chico Buarque e Guimarães Rosa,
por exemplo. Ou seja, através de ícones de nossa cultura o escritor italiano,
tão respeitado e admirado no mundo todo,
desenvolveu uma grande admiração
pelo Brasil, o que reforça ainda mais a importância do seu ato de desagravo
diante de um desrespeito tão explícito, tão gratuito, tão indigno, tão
inexplicável, ao seu país de origem.
Perdoem-me os militantes e
nacionalistas exacerbados, mas entre um governante brasileiro que faz apologia
da ignorância e que é considerado o maior de todos os tempos por seu povo (uma
espécie de Messias libertador que hoje passa seus dias a tentar provar, ao
negar o Mensalão, que o mar não existe) e um escritor italiano que defende, com
seu ato simples, mas tão significativo, a soberania de seu país diante da
agressão de um outro, fico com o segundo.
Cada um deixa de si a imagem daquilo de que é feito.
Benilson Toniolo
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