terça-feira, 25 de setembro de 2012

TABUCCHI, O ANIVERSARIANTE, E O BRASIL


                                                 Antonio Tabucchi e charge de Fernando Pessoa

Imagine um criminoso, um facínora execrável, um sujeito  que seja condenado pela Justiça brasileira à prisão perpétua,  por ter cometido atentados criminosos, formação de quadrilha e assassinatos, entre outros crimes. Imagine que a Justiça brasileira tenha investido muito dinheiro, tempo, esforços e pessoal em prender, julgar e  condenar um cidadão desta estirpe que, apesar de tudo, consegue escapar do País, indo se esconder, por exemplo, na Namíbia. Lá, ele é localizado e preso e, apesar dos apelos do Brasil para que ele lhe seja devolvido para que possa cumprir aqui sua pena pelos crimes que cometeu, o Governo da Namíbia não somente nega o pedido brasileiro, como também concede ao fugitivo o direito de lá permanecer gozando de uma liberdade que ele, na verdade, já havia perdido. O mais elementar dos sentimentos seria o de revolta, não é verdade? Também acho. Além do quê, com este ato, seria como se os africanos mandassem um recado à Justiça brasileira: nós não os reconhecemos como país, para nós sua justiça não vale nada. Seria, no mínimo, uma afronta.
Pois foi justamente isto que fez o governo brasileiro, ainda na gestão que antecedeu a de Dilma, com relação ao criminoso italiano Cesare Battisti, condenado à prisão perpetua na Itália pelos crimes elencados acima, e que hoje goza a boa vida dos justos no Rio de Janeiro, com direito a lançamento de livro com coquetel e ser recebido em Brasília como um homem de esquerda que lutou contra alguma coisa que até hoje ninguém entende direito o que é.  
Na Itália, o caso teve imensa repercussão, com debates acalorados no Parlamento e nos canais de TV, a ponto de intelectuais do porte de Umberto Eco e Antonio Tabucchi virem a público demonstrar sua indignação contra o que chamaram de “desrespeito à soberania italiana”.  Mas é sobre Tabucchi que quero falar.
Por conta do episódio, Tabucchi recusou o convite que já havia aceitado para ser um dos autores estrangeiros de destaque na FLIP, há alguns anos atrás, em protesto contra a recusa brasileira em extraditar Battisti. Apesar de amar o Brasil, segundo ele, não poderia prestigiar um evento em um país que acolhia um bandido.
Admirável, a postura do escritor. Abrir mão de comparecer a um evento tão importante como a FLIP, abrir mão de ver e rever seus leitores, e de expandir ainda mais sua obra para realizar um protesto político não é um fato comum hoje em dia, quando a maioria dos escritores prefere o silêncio e a indiferença frente aos grandes problemas mundiais.
Tabucchi faria aniversário hoje, dia 24 de setembro. Morreu em março deste ano, provavelmente em Lisboa, onde vivia a maior parte do tempo, ele que era o maior tradutor para o italiano da obra de Fernando Pessoa. E dele li, recentemente, o livro ‘Está Ficando Tarde Demais’, um romance epistolar em que o autor elenca grande parte do seu grandioso conhecimento da literatura, da arte, da vida e da condição humana.
Neste livro, há muitas referências, todas positivas, ao Brasil, como Chico Buarque e Guimarães Rosa, por exemplo. Ou seja, através de ícones de nossa cultura o escritor italiano, tão respeitado e admirado no mundo todo,  desenvolveu  uma grande admiração pelo Brasil, o que reforça ainda mais a importância do seu ato de desagravo diante de um desrespeito tão explícito, tão gratuito, tão indigno, tão inexplicável, ao seu país de origem.
Perdoem-me os militantes e nacionalistas exacerbados, mas entre um governante brasileiro que faz apologia da ignorância e que é considerado o maior de todos os tempos por seu povo (uma espécie de Messias libertador que hoje passa seus dias a tentar provar, ao negar o Mensalão, que o mar não existe) e um escritor italiano que defende, com seu ato simples, mas tão significativo, a soberania de seu país diante da agressão de um outro, fico com o segundo.
Cada um deixa de si a imagem daquilo de que é feito.
Benilson Toniolo

Sem comentários:

Enviar um comentário