quinta-feira, 25 de outubro de 2012

A MORTE DA PRIVACIDADE

                                             Foto: site www.123rf.it


Dia desses, fui a São Paulo de ônibus, coisa que sempre gostei de fazer.  De vez em quando é bom, em meio à correria do dia-a-dia, esta paradinha. Mudar de ares por algumas horas e, voltando, agradecer a Deus por poder morar em um lugar tão bonito e restaurador como Campos do Jordão.
Imaginei o de sempre: uma viagem tranquila, capaz de proporcionar três ou quatro horas de leitura, organização de agenda, registrar algumas ideias, um cochilo, ler o jornal do dia, com direito a uma paradinha em S. José para um café e a providencial ida ao banheiro. 
Mas este quadro, meus amigos, ficou no passado. A viagem foi um verdadeiro martírio para quem, como eu, esperava simplesmente “curtir” a paisagem e o trajeto.
Explico. Com o advento, a popularização e o desenvolvimento da telefonia móvel no Brasil, digo sem medo de errar que, o que antes era uma viagem agradável, se tornou um verdadeiro suplício.
Um ônibus possui quarenta e quatro lugares, que é a capacidade máxima de cada veículo deste porte. Descontadas as crianças e um ou outro indivíduo que bravamente ainda resiste, posso dizer que eram cerca de trinta passageiros portando celular. Isso dá, no mínimo, trinta cidadãos com o celular ligado, durante 180km. E como discutem, como riem, como falam alto, como gritam! Uns falam palavrões, outros oram, há quem lamente, quem reclame, quem brigue, quem oriente o interlocutor sobre como preparar um prato sem que grude na panela, quem articula, quem relate com riqueza de detalhes os acontecimentos da última balada... Tem empregado falando mal do patrão, patrão que fale mal dos empregados, e detalhes sórdidos e desonestos de negociações e contratos, enfim, “podres” corporativos que dariam um livro. Há os executivos que tratam de negócios e insistem em levantar a voz para que todos notem que ele é um sujeito muito importante.  Tem uma que repete inúmeras vezes o número do voo e o portão de embarque –tola, desconhece que as viagens aéreas, bem como os celulares, não são mais privilégio de poucos.  A outra está apaixonada, e confidencia a quem parece ser sua amiga que não vai esperar nem um mês para se separar do atual marido. O garotão reclama do excesso de zelo da mãe, da sovinice do pai, do namorado da irmã e do orientador do seu TCC.
E os erros de português, então? É um festival de “menas”, “poblema”, “todoscauso”, “os pessoal”, entre outras expressões, que acabam por ajudar a tornar a viagem mais divertida e provocar até mesmo, talvez, uma reflexão mais profunda sobre os rumos tomados pela  educação em nosso País nos últimos anos.
A cada toque, um barulho diferente a interromper o cochilo, a leitura, o sossego. Com metade do caminho percorrido, prestando bem atenção, a gente consegue ficar íntimo de quase uma dezena de passageiros. A promessa de uma viagem tranquila e agradável dá lugar a uma quase insuportável pressa de chegar logo.
Seja lá qual for o nome que deem os estudiosos a este fenômeno da necessidade que as pessoas têm hoje de aparecer, a questão é que o negócio está incontrolável. As pessoas vivem sob o signo da vaidade e da inveja dissimuladas, e isto é plenamente perceptível nas atitudes, nas roupas, nas postagens das redes sociais, e também nos telefonemas públicos. Tanto quanto o consumismo desenfreado que, pelo jeito, há de pôr fim à nossa espécie, o que salta aos olhos é a nossa mudança de comportamento. Não basta mais somente comprar. Temos que comprar o melhor, o mais caro, o último modelo, e é necessário que o maior número possível de pessoas saiba disso.
Perguntado em uma entrevista sobre se preferia a companhia de pessoas ou de livros, o escritor israelense Amos Oz respondeu que preferia  “livros com pessoas dentro”. Compreensível, claro. Lá, pelo menos, as pessoas não devem falar tanto ao celular.
Em tempo: fiz a viagem com dois celulares no bolso. E um deles só tocou uma vez. Era engano.

Benilson Toniolo

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