Benilson Toniolo
No comecinho da rua era a casa
do seo Afrânio, um homem gordo que trabalhava nas Docas. Tinha duas filhas
adolescentes e sua esposa, a dona Lurdes, era uma portuguesa bigoduda que só
usava vestido escuro e tinha fama de encrenqueira e de não gostar de tomar
banho.
Aos domingos pela manhã, seo
Afrânio varria seu quintal e a calçada, onde caíam muitas folhas das árvores
próximas. Também pendurava as gaiolas dos seus pássaros nos galhos do chapéu-de-sol que havia
defronte sua casa. Depois, se sentava em uma cadeira de vime e ficava ouvindo
um rádio de pilhas, que eventualmente alojava sobre sua grande barriga enquanto
girava o botão seletor em busca de suas estações preferidas.
Meu pai de vez em quando
parava para conversar com ele. Minha mãe, sempre que passava, o cumprimento e
nos mandava fazer o mesmo. Bom dia, seo Afrânio. Boa tarde, seo Afrânio. Olá,
seo Afrânio.
O problema é que ele tinha
mania de chamar todo mundo de corinthiano. E a gente, que não era corinthiano,
ficava bravo. Passávamos e ele provocava: “ô, corinthiano”. A gente ficava
bravo e com vontade de mandar o homem à merda. Um dia, passava com um amigo
palmeirense e, diante da provocação, o repreendi. “que corinthiano o quê, ô!”.
Depois temi que ele contasse à minha mãe –ou pior, ao meu pai. Acho que nunca
me entregou. Mas continuava provocando a gente. Um dos meus amigos, são-paulino,
um dia me disse que se a provocação fosse com ele ia atacar pedras no homem.
“Tá louco?”, respondi.
Um dia eu vinha da venda com
meu irmão quando vimos um carro preto, enorme, com o desenho de uma cruz nos
vidros, parado na frente da casa dele. Passamos rapidinho e nem olhamos para o
lado. Contamos à mãe que, horas depois, comunicou com aquela fisionomia grave
que caracteriza as mães quando vão anunciar aos filhos um acontecimento muito
sério: “seo Afrânio morreu, coitado. Estava bem, acabou de almoçar e foi tirar
um cochilo. Dona Lurdes chamou ele para tomar café e nada de o homem responder.
Foram ver, estava morto. Já pensou? Coitada da dona Lurdes”.
Isso foi há muito tempo. Ainda
assim, por via das dúvidas, até hoje evito dormir depois do almoço. Vai que me
encontro de novo com seo Afrânio e ele vai estar lá, de asinhas e vestido
branco, a me receber no Paraíso com a vassoura na mão e me saudando com um “ô,
corinthiano!”?
Sem comentários:
Enviar um comentário