segunda-feira, 27 de outubro de 2014

ANTÍGONA


Benilson Toniolo

Julinho foi com a namorada ao Teatro da Praia, numa tarde de domingo, assistir a Antígona, de Sófocles, encenada por um grupo de Artes Cênicas de uma universidade local. De cara, apaixonou-se pela atriz principal, loura, peituda e canastrã. Na saída do espetáculo, procurou se informar e descobriu que o grupo se reunia de quarta a sexta-feira para ensaios na faculdade. Não deu outra: na quarta-feira, meia-hora antes de o ensaio começar, lá estava o Julinho perambulando pela faculdade com cara de intelectual que tinha um compromisso cultural muito importante. Viu Rebeca –era esse o nome de sua Antígona- entrar cumprimentando alegremente os colegas e subir as escadas que levavam ao auditório, com semblante muito sério. Bonita ela não era muito não. Mas era Antígona. E usava sutiã.
Julinho assistiu às duas horas de ensaio sozinho na platéia e, no final, deu um jeito de ficar no caminho da amada quando ela saía. Olhou-a de frente, estendeu a mão e apresentou-se, solene: “Rebeca Souza? Prazer. Júlio Márcio, escritor”.
Bom, escritor não era bem o termo. Depois de fazer algum sucesso arriscando uns versinhos na escola aos doze anos, ele resolvera aos vinte apostar no que julgava ser seu talento e se dedicar à poesia. Desempregado, tinha tempo de sobra. E, com os hormônios em contínua efervescência, resolvera “investir” na agitada vida cultural da cidade para ver se aprendia alguma coisa de cultura e, de quebra, tentava arrumar umas menininhas. Estava dando certo.
Julinho, que em geral se apaixonava uma vez por semana, não era do tipo que se declarava abertamente e ia direto ao ponto, por assim dizer. Fazia o tipo dissimulado, aquela história do “sem querer, querendo”. Ficava ali, num cerca-lourenço danado, só cercando. E mandava flores, dava presentinhos fora de hora, encontrava a menina “por acaso” na saída do trabalho dela, telefonava para dizer que havia acabado de ouvir uma música do Caetano e também “por acaso” dela se lembrara, essas coisas. Quando a presa já tinha arriado todos os escudos e armaduras, aí o Julinho dava o bote, de preferência numa noite esplendorosa à beira-mar, intercalando beijos desesperados com  versos do Vinicius de Moraes. Aí era covardia. Julinho era cruel. Se bem que, não raro, a “presa” resolvia acabar com aquela embromação e tomava a iniciativa, ou cedendo aos seus encantos ou mandando o Julinho ir ver se ela estava na esquina. O Julinho, nestes casos, ia e não voltava. Podia até ser meio doido, mas não era besta.
O problema é que a tal da Rebeca estava inflexível e, ao saber das intenções do moço, propôs que vivessem juntos uma “paixão literária”. Nada mais natural, uma vez que ela já tinha um namorado –o Florisvaldo- a quem não pretendia trair nem abandonar e também pelo fato de ambos, ela e Julinho, serem apaixonados pelos mesmos poetas, a saber: Rimbaud, Baudelaire, Neruda e Leminski. Julinho estranhou. Esse negócio de “paixão literária”, afinal de contas, incluía sexo ou não?
A esta altura o rapaz, que já tinha dado aviso-prévio para a namorada, pôs-se a investigar quem era o tal do Florisvaldo que impedia sua conquista. Quando descobriu, ficou perplexo: o rival era baixinho, usava óculos com um grau muito acima do seu, magrelo, com sinais de calvície precoce, fumava, trabalhava como cobrador de ônibus, era recém-separado e andava com três filhos pequenos a tiracolo, que inclusive o acompanhavam  nos seus encontros com Rebeca. Além disso, não tinha carro, não gostava de poesia e falava “menas”. Julinho se invocou e resolveu tirar satisfações com sua Antígona:
- Pô, Rebeca.
Mas não teve jeito. Sua diva grega se manteve insensível às investidas e continuou firme com Florisvaldo. Estava apaixonada, o que ele queria que ela fizesse? Julinho aos poucos foi desistindo e, numa noite solitária de sábado de pouquíssima poesia, resolveu telefonar para a antiga namorada para “ver se a boiada ainda estava no pasto”, como se diz. Atendeu o pai:
- Ela não está. Foi ao teatro com o namorado.
“Esse negócio de teatro é um problema”, concluiu Julinho, entre desconsolado e conformado.

Então ele coçou a cabeça, conferiu o relógio e sentou-se no sofá da sala ao lado da mãe, que anunciou que já estava quase na hora do programa do Gugu.


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