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Benilson Toniolo
Julinho foi com a namorada ao Teatro da
Praia, numa tarde de domingo, assistir a Antígona, de Sófocles, encenada por um
grupo de Artes Cênicas de uma universidade local. De cara, apaixonou-se pela
atriz principal, loura, peituda e canastrã. Na saída do espetáculo, procurou se
informar e descobriu que o grupo se reunia de quarta a sexta-feira para ensaios
na faculdade. Não deu outra: na quarta-feira, meia-hora antes de o ensaio
começar, lá estava o Julinho perambulando pela faculdade com cara de intelectual
que tinha um compromisso cultural muito importante. Viu Rebeca –era esse o nome
de sua Antígona- entrar cumprimentando alegremente os colegas e subir as
escadas que levavam ao auditório, com semblante muito sério. Bonita ela não era
muito não. Mas era Antígona. E usava sutiã.
Julinho assistiu às duas horas de ensaio
sozinho na platéia e, no final, deu um jeito de ficar no caminho da amada
quando ela saía. Olhou-a de frente, estendeu a mão e apresentou-se, solene:
“Rebeca Souza? Prazer. Júlio Márcio, escritor”.
Bom, escritor não era bem o termo.
Depois de fazer algum sucesso arriscando uns versinhos na escola aos doze anos,
ele resolvera aos vinte apostar no que julgava ser seu talento e se dedicar à
poesia. Desempregado, tinha tempo de sobra. E, com os hormônios em contínua
efervescência, resolvera “investir” na agitada vida cultural da cidade para ver
se aprendia alguma coisa de cultura e, de quebra, tentava arrumar umas
menininhas. Estava dando certo.
Julinho, que em geral se apaixonava uma
vez por semana, não era do tipo que se declarava abertamente e ia direto ao
ponto, por assim dizer. Fazia o tipo dissimulado, aquela história do “sem
querer, querendo”. Ficava ali, num cerca-lourenço danado, só cercando. E
mandava flores, dava presentinhos fora de hora, encontrava a menina “por acaso”
na saída do trabalho dela, telefonava para dizer que havia acabado de ouvir uma
música do Caetano e também “por acaso” dela se lembrara, essas coisas. Quando a
presa já tinha arriado todos os escudos e armaduras, aí o Julinho dava o bote,
de preferência numa noite esplendorosa à beira-mar, intercalando beijos
desesperados com versos do Vinicius de
Moraes. Aí era covardia. Julinho era cruel. Se bem que, não raro, a “presa”
resolvia acabar com aquela embromação e tomava a iniciativa, ou cedendo aos
seus encantos ou mandando o Julinho ir ver se ela estava na esquina. O Julinho,
nestes casos, ia e não voltava. Podia até ser meio doido, mas não era besta.
O problema é que a tal da Rebeca estava
inflexível e, ao saber das intenções do moço, propôs que vivessem juntos uma
“paixão literária”. Nada mais natural, uma vez que ela já tinha um namorado –o
Florisvaldo- a quem não pretendia trair nem abandonar e também pelo fato de
ambos, ela e Julinho, serem apaixonados pelos mesmos poetas, a saber: Rimbaud,
Baudelaire, Neruda e Leminski. Julinho estranhou. Esse negócio de “paixão
literária”, afinal de contas, incluía sexo ou não?
A esta altura o rapaz, que já tinha dado
aviso-prévio para a namorada, pôs-se a investigar quem era o tal do Florisvaldo
que impedia sua conquista. Quando descobriu, ficou perplexo: o rival era
baixinho, usava óculos com um grau muito acima do seu, magrelo, com sinais de
calvície precoce, fumava, trabalhava como cobrador de ônibus, era recém-separado
e andava com três filhos pequenos a tiracolo, que inclusive o acompanhavam nos seus encontros com Rebeca. Além disso,
não tinha carro, não gostava de poesia e falava “menas”. Julinho se invocou e
resolveu tirar satisfações com sua Antígona:
- Pô, Rebeca.
Mas não teve jeito. Sua diva grega se
manteve insensível às investidas e continuou firme com Florisvaldo. Estava
apaixonada, o que ele queria que ela fizesse? Julinho aos poucos foi desistindo
e, numa noite solitária de sábado de pouquíssima poesia, resolveu telefonar
para a antiga namorada para “ver se a boiada ainda estava no pasto”, como se
diz. Atendeu o pai:
- Ela não está. Foi ao teatro com o
namorado.
“Esse negócio de teatro é um problema”,
concluiu Julinho, entre desconsolado e conformado.
Então ele coçou a cabeça, conferiu o
relógio e sentou-se no sofá da sala ao lado da mãe, que anunciou que já estava
quase na hora do programa do Gugu.
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