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Benilson Toniolo
Em Exu, interior de Pernambuco, o
boiadeiro Raimundo Jacó era o zeloso guardador do numeroso rebanho do patrão.
Sertanejo forte, corajoso e dominador de sua função, cuidava da boiada com
rigidez e responsabilidade. Tinha um aboio que era uma beleza, no dizer da
gente do lugar. Foi ficando conhecido por sua lealdade e competência. Na mesma
fazenda, outro vaqueiro, Firmino, menino novo no ofício e muito a aprender na
arte de aboiar e cuidar do gado, cuidava do reduzido rebanho da patroa.
Certa vez, uma rês da patroa se perdeu,
e coube a Firmino embrenhar-se pela região atrás do bicho fugidio. Se andou
muito ou se andou pouco, não se sabe. O que se sabe é que Firmino voltou de mãos
vazias, balbuciando desculpas e justificativas. Então o fazendeiro chamou
Raimundo: “saia em busca do boi e só volte aqui quando encontrar”.
Raimundo saiu a cumprir a ordem, e
Firmino postou-se na porteira grande da fazenda na esperança de ver Raimundo voltar fracassado. Não voltou. No
fim da tarde do mesmo dia, vinha o vaqueiro trazendo pela mão o boi fugitivo.
Aturdido e temendo perder o emprego, Firmino acercou-se de Raimundo e pediu:
“me dê aqui este boi. Vamos dizer ao patrão que quem encontrou fui eu”.
Raimundo negou: “oxe!”. Firmino implorou: “Pelo amor de Deus, Raimundo Jacó.
Faça isso por um pobre. O patrão vai me botar no olho da rua”. Raimundo fez que
não ouviu. Continuou seu caminho, decidido a entregar pessoalmente o boi
recuperado ao patrão. Firmino, num ato de desespero, apanhou uma pedra que
havia no chão e atacou Raimundo pelas costas, desferindo-a contra sua cabeça.
Raimundo Jacó caiu sem vida em meio a uma poça de sangue.
O patrão, que tinha interesse em
lançar-se candidato a uma vaga de deputado na Assembleia no Recife e não queria
ver seu nome envolvido em escândalo, procurou o juiz, que inocentou Firmino
alegando legítima defesa.
Luiz Gonzaga, o Rei do Baião e da música
popular brasileira, chegava em Exu no exato momento em que terminava o
inquérito, e Inteirou-se do caso pelo vigário local. Inconformado com a
injustiça e com a crueldade do crime, o padre pediu a Gonzaga que fizesse uma
música que servisse tanto de homenagem ao vaqueiro assassinado como de protesto
pela decisão da Justiça. Gonzaga, em parceria com o poeta e médico potiguar
Jandhy Finizola, mais do que uma música, compôs a Missa do Vaqueiro, que acabou
por tornar-se uma verdadeira peça de protesto contra a opressão e violência que
sofriam os trabalhadores pobres do Nordeste do Brasil. Raimundo Jacó e Luiz
Gonzaga eram primos legítimos de primeiro grau.
A primeira vez que a peça musical foi
executada foi justamente na missa de 01 ano da morte de Raimundo. A partir daí,
seu túmulo passou a ser local de peregrinação pelos moradores locais e das
cidades vizinhas, havendo até mesmo relatos de milagres atribuídos a ele. A fé
e a esperança do povo simples e sofrido serviam de consolo e refrigério naqueles
cafundós ardentes e opressores.
A história de Raimundo Jacó foi sendo
esquecida ao longo do tempo, principalmente após a morte de Luiz Gonzaga, em 02
de agosto de 1988. E consta que, enquanto expirava e se despedia da vida no
leito do Hospital Santa Joana, no Recife, era com aboios que Gonzagão tentava
superar a dor do câncer terminal que lhe roía os ossos.
Só nos restou A Missa do Vaqueiro,
composta de nove partes: “Jesus Sertanejo, “Kyrie Eleison”, “Glória”, “O
Credo”, “Ofertório”, “Sanctus Sanctus”, “Pai-Nosso”, “Comunhão” e “Canto de
Despedida”. Vale ser ouvida, como exemplo vivo da cultura e da música popular
deste País.
Obs.:
este texto é uma livre adaptação de parte do livro “O Fole Roncou – Uma
História do Forró”, de Carlos Marcelo e Rosualdo Rodrigues (Editora Zahar).
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