domingo, 23 de fevereiro de 2014

DAMIANA


Benilson Toniolo

Chama-se Damiana e apresentou-se como a nova  garçonete da pastelaria que freqüentamos em Abernéssia. Baixinha, morena, jovem ainda. Vinte e dois, vinte e três anos. Nordestina, que nessas adivinhações raramente me engano. Só não sabia de onde, nem quis perguntar. Cantarolava baixinho, ares de boa gente, recém-chegada à cidade.
Acabada a rodada de pastel, pedi uma tapioca.
- O senhor quer de quê?
Pedi a de sempre. Coco com leite condensado. Passado um tempinho, me trouxe na cestinha.
- É assim que o senhor quer?
Respondi com um sorriso.
- Não é a que se come na Paraíba, mas tá bom.
Ela ampliou um sorriso maior que o tamanho da tapioca.
- O senhor é da Paraíba, é?
- Não, mas morei lá por dois anos. João Pessoa. Conhece?
- Conheço não. Nunca fui na Paraíba.
- Você é de onde?
- Pernambuco.
- Que lugar?
- O senhor conhece Pernambuco?
- Morei lá perto, como disse. Conheço um pouco. De qual cidade você é?
- Goiana.
- Então, quando a gente sai da Paraíba pra Pernambuco, passa em Goiana. Faz tempo que você veio pra cá?
- Faz não. Faz dois meses.
- E está gostando?
- Aqui é bom. Mas não sei...
- Está estranhando? Muito frio?
- Tem o frio, sim, mas não é isso.
- O que é, então?
- É que aqui é esquisito, moço. Diferente de lá.
- Bom, diferente é, mesmo. Você mora com quem aqui?
- Sozinha.
- E veio fazer o quê, aqui?
- Ah, vim porque disseram que era bom. Aí eu vim. Lá não tinha emprego, não tinha nada. Aí eu vim. Mas não sei.
- Você é casada?
- Não.
- Tem filhos?
- Não.
- Nem lá, em Goiana?
- Tenho não. Tinha um paquerinha, só.
- E seus pais? São vivos?
Damiana deixa de sorrir. Baixa os olhos e, com os dedos indicador e polegar de ambas as mãos, começa a enrolar a ponta do avental. Nervosa, começa a chorar.
- Eu tenho muita saudade deles, moço. Muita saudade.
- E você fala com eles?
- De vez em quando eu telefono. Eles não usam computador, senão eu ia numa lan-house e falava com eles pela internet. Mas eles não sabem usar, e não é sempre que meus irmãos estão em casa pra ligar o computador e ajudarem eles a falar comigo. Então eu telefono. Olha, o número do meu celular ainda é de lá.
- Quais são seus planos aqui?
- Queria estudar, arrumar um emprego, crescer na vida.
- E lá não dá pra fazer isso?
- Lá não tem quase emprego não. Mas também, ficar aqui e ganhar tão pouquinho como eu ganho aqui...
- Este é seu primeiro emprego na cidade?
- É, sim. Foi fácil arranjar. No primeiro dia que saí procurando já arranjei este aqui. Aqui é bom, o pessoal que vem aqui é educado, trata bem à gente.  Faz um mês só, que estou aqui. Já registraram em carteira, já está tudo certinho.
Ela sorri, dá as costas, volta para perto do caixa e limpa o rosto com as costas de uma das mãos. Em breve para de chorar, volta a sorrir, mas de forma mais tímida. É simpática. Feiosa e simpática.
Peço a conta, ela traz,  vou ao caixa tratar do pagamento da despesa. Saio e, na calçada, me dirijo novamente a ela.
- Faz o seguinte, menina. Vai embora. Vai ficar do lado dos teus pais. Aproveita enquanto ainda estão vivos.  Volta pra tua casa, pra tua gente, pro teu povo. Não fica aqui, não. Fica do lado deles. Ninguém merece ficar separado de quem gosta, principalmente de pai e de mãe. Dá esse presente pra eles, e pra você também. Se um dia você quiser voltar para cá, para esta cidade, você volta. Mas agora, não. Agora você tem que voltar para o lado do teu pai e da tua mãe.
Ela sorriu de novo e voltou a armazenar água no canto dos olhos. Balbuciou:
- Eles aqui chamam a gente de baiano. A gente não é baiano. Não temos nada contra baiano, não, mas a gente não é baiano. E eles falam de um jeito com a gente, moço... 
Nunca mais perguntei por Damiana. E cada vez que entro na pastelaria me sinto reconfortado ao ver que ela não está mais ali.



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